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Quando dezenas e, depois, centenas de milhares de jovens, mulheres, proletári@s foram às ruas de todo o mundo – Seattle, Washington, Gênova – em manifestações gigantescas contra a OMC, o FMI e as corporações monopolistas internacionais, o bem divulgado sociólogo Robert Kurz acusou o movimento de guiar-se pela lógica da mercadoria. Quando @s proletári@s argentin@s puseram, entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002, o Estado argentino em crise, desencadeando a mais ampla e radical experiência de contestação social na América Latina, o teórico crítico a soldo da Folha de São Paulo limitou-se a dizer que, na crise econômica argentina, se comprovavam suas profecias expostas no best-seller O colapso da modernização. Não havia mulheres e homens reais em luta, mas apenas categorias em crise. Agora, quando @s palestin@s de Gaza são vítimas indefesas (pois não armadas) do genocídio e da limpeza étnica promovidos pelo Estado de Israel, Herr Kurz faz a crítica dos que se opõem a essa matança em massa. Como bom ideólogo, ele busca também aí expor a crítica e a correção das categorias. Tudo isso pode ser lido - claro! - na Folha de São Paulo de hoje, 13 de janeiro de 2009.
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Antes de tudo, o teórico crítico dos Frias caracteriza o genocídio israelense de “guerra em Gaza”, como se houvesse mesmo uma guerra entre duas forças militares minimamente simétricas e como se fosse entre duas forças militares que estivesse se dando o 'conflito' (sic). Depois fala de uma fantasmagórica “precariedade da situação militar” de Israel, e critica a “opinião pública global” porque esta caracteriza o “contra-ataque israelense” como “desproporcional”. Vejam: "contra-ataque". Exatamente como o faz o Estado maior israelense e a grande parte dos media, Herr Kurz identifica o Hamas com os palestinos e, sem dizer uma palavra sobre o massacre e a limpeza étnica de - até agora - mais de mil pessoas, deplora que “os palestinos em Gaza [sejam] percebidos como vítimas juntamente com o Hamas, como se esse regime não se tivesse imposto em uma sangrenta guerra civil contra o grupo laico Fatah”.
Antes de tudo, o teórico crítico dos Frias caracteriza o genocídio israelense de “guerra em Gaza”, como se houvesse mesmo uma guerra entre duas forças militares minimamente simétricas e como se fosse entre duas forças militares que estivesse se dando o 'conflito' (sic). Depois fala de uma fantasmagórica “precariedade da situação militar” de Israel, e critica a “opinião pública global” porque esta caracteriza o “contra-ataque israelense” como “desproporcional”. Vejam: "contra-ataque". Exatamente como o faz o Estado maior israelense e a grande parte dos media, Herr Kurz identifica o Hamas com os palestinos e, sem dizer uma palavra sobre o massacre e a limpeza étnica de - até agora - mais de mil pessoas, deplora que “os palestinos em Gaza [sejam] percebidos como vítimas juntamente com o Hamas, como se esse regime não se tivesse imposto em uma sangrenta guerra civil contra o grupo laico Fatah”.
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Conseqüência lógica desse engano da opinião pública: “Assim a propaganda islâmica do massacre da população civil cai em terra fértil”. Vejam! O “massacre da população civil” não é real, mas apenas uma “propaganda islâmica”, que encontra “terreno fértil” nesse engano da “opinião pública global”. A efetiva e poderosa propaganda corporativa pró-israelense que há décadas caracteriza toda e qualquer resistência palestina de "terrorista" não existe, mas existe uma “propaganda islâmica”...
Conseqüência lógica desse engano da opinião pública: “Assim a propaganda islâmica do massacre da população civil cai em terra fértil”. Vejam! O “massacre da população civil” não é real, mas apenas uma “propaganda islâmica”, que encontra “terreno fértil” nesse engano da “opinião pública global”. A efetiva e poderosa propaganda corporativa pró-israelense que há décadas caracteriza toda e qualquer resistência palestina de "terrorista" não existe, mas existe uma “propaganda islâmica”...
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Não contente, Herr Kurz faz suas as teses do Estado de Israel e de toda a media: “Com efeito, o Hamas transforma, exatamente como o Hizbollah libanês em 2006, a população em refém, ao transformar mesquitas em depósitos de armamentos e permitir que seus quadros armados atirem de escolas ou hospitais”. Os corpos retalhados, os membros estilhaçados, as cabeças decepadas de centenas de civis em escolas e hospitais são "quadros armados" do Hamas... É também nessa mesma lógica que o direitista Bernard-Henri Lévy publicou um artigo no New York Times, defendendo que o massacre em Gaza visa a “libertar os palestinos do Hamas”...
Não contente, Herr Kurz faz suas as teses do Estado de Israel e de toda a media: “Com efeito, o Hamas transforma, exatamente como o Hizbollah libanês em 2006, a população em refém, ao transformar mesquitas em depósitos de armamentos e permitir que seus quadros armados atirem de escolas ou hospitais”. Os corpos retalhados, os membros estilhaçados, as cabeças decepadas de centenas de civis em escolas e hospitais são "quadros armados" do Hamas... É também nessa mesma lógica que o direitista Bernard-Henri Lévy publicou um artigo no New York Times, defendendo que o massacre em Gaza visa a “libertar os palestinos do Hamas”...
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Mas Herr Kurz não é tão liberal assim. Prefere se juntar à direita israelense – bem moderninha e emancipatória – que justifica a agressão israelense como “autodefesa”, dando a esse raciocínio cínico ares de anticapitalismo: “Por isso o pragmatismo capitalista se volta, conforme se pode observar até na imprensa burguesa de orientação liberal, cada vez mais contra a autodefesa israelense”. Vejam, Herr Kurz – que escreve essas coisas especialmente para a Folha de São Paulo – lamenta que “até a imprensa liberal” seja forçada a reconhecer que os crimes de Israel são crimes; ele, porém, considera-os uma “autodefesa”.
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Referindo-se à Segunda Guerra, Theodor Adorno dizia ironicamente ter visto o “espírito do mundo” (Weltgeist) hegeliano montado num míssel. Em 1992, foi a vez de nós mesmos vermos a “teoria da ação comunicativa” de Habermas pegando carona nos mísseis da Otan, na defesa da integridade do território do Kwait contra o Estado do Iraque que o invadira. Agora, é a vez dessa tão alemã – no sentido mais mesquinho e estreito do termo - “Nova Escola da Crítica do Valor”, dessa tal “Escola de Nuremberg” pegar sua caronazinha, com mais modéstia e menos universalismo, nos mísseis de “contra-ataque” e “autodefesa” do Estado de Israel na "guerra de Gaza". Como todos os liberais de direita – que ele não critica pois não são tão liberais assim – Herr Kurz conclui: “o aniquilamento do Hamas e do Hizbollah é condição elementar não apenas de uma paz capitalista precária na Palestina, mas também de uma melhoria das condições sociais”. Se é assim, então dessas mortes todas – como nos aconselharia uma boa filosofia progressista da história – devemos esperar algo melhor do que havia antes, não é? Então, viva os mísseis de Israel!
Referindo-se à Segunda Guerra, Theodor Adorno dizia ironicamente ter visto o “espírito do mundo” (Weltgeist) hegeliano montado num míssel. Em 1992, foi a vez de nós mesmos vermos a “teoria da ação comunicativa” de Habermas pegando carona nos mísseis da Otan, na defesa da integridade do território do Kwait contra o Estado do Iraque que o invadira. Agora, é a vez dessa tão alemã – no sentido mais mesquinho e estreito do termo - “Nova Escola da Crítica do Valor”, dessa tal “Escola de Nuremberg” pegar sua caronazinha, com mais modéstia e menos universalismo, nos mísseis de “contra-ataque” e “autodefesa” do Estado de Israel na "guerra de Gaza". Como todos os liberais de direita – que ele não critica pois não são tão liberais assim – Herr Kurz conclui: “o aniquilamento do Hamas e do Hizbollah é condição elementar não apenas de uma paz capitalista precária na Palestina, mas também de uma melhoria das condições sociais”. Se é assim, então dessas mortes todas – como nos aconselharia uma boa filosofia progressista da história – devemos esperar algo melhor do que havia antes, não é? Então, viva os mísseis de Israel!
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Nós, como dezenas de milhares de alemães que foram às ruas nas últimas semanas, não compartilhamos a culpa cristã pelos pogrons e pelos campos de concentração nazistas, nem a culpa de maoístas arrependidos pelos horrores da Grande Revolução Cultural chinesa. Por isso, não precisamos ter qualquer simpatia – e, de fato, estamos longe de a ter – com o Hamas para nos opormos ao massacre no Gueto de Gaza. Não é mais diante de Auschwitz, mas diante de Gaza que a cultura ocidental tem que prestar contas. Quanto a Robert Kurz e sua turma, só temos a contatar que o 13 de janeiro de 2009 é o seu 4 de agosto. Para todo e qualquer bom internacionalista alemão, dizer essa data é o suficiente.
Nós, como dezenas de milhares de alemães que foram às ruas nas últimas semanas, não compartilhamos a culpa cristã pelos pogrons e pelos campos de concentração nazistas, nem a culpa de maoístas arrependidos pelos horrores da Grande Revolução Cultural chinesa. Por isso, não precisamos ter qualquer simpatia – e, de fato, estamos longe de a ter – com o Hamas para nos opormos ao massacre no Gueto de Gaza. Não é mais diante de Auschwitz, mas diante de Gaza que a cultura ocidental tem que prestar contas. Quanto a Robert Kurz e sua turma, só temos a contatar que o 13 de janeiro de 2009 é o seu 4 de agosto. Para todo e qualquer bom internacionalista alemão, dizer essa data é o suficiente.
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