As imagens do mundo das imagens: O estádio de futebol, a câmera fotográfica e a mulher nua

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Hoje já faz parte do senso comum a noção de que vivemos numa sociedade do espetáculo, ou ainda, numa sociedade das imagens, um mundo em que as imagens dominam. Até mesmo o Papa Bento XVI, num discurso que proferiu em sua recente visita à Palestina ocupada, protestou contra “as influências negativas do mundo do espetáculo”; segundo vossa santidade, a sociedade do espetáculo “de forma desumana explora em nosso mundo globalizado a inocência e a sensibilidade dos jovens e das pessoas mais vulneráveis” (Bol Notícias, 2009). Pelos próprios termos de que se constitui, essa é uma crítica conservadora, de apelo romântico: “inocência”, “sensibilidade” e “vulnerabilidade” das pessoas caem bem na boca de uma pastor do mundo, mas não de um crítico social; vindo de quem vem, sabe-se bem que essa é uma crítica moralista, tão moralista e conservadora quanto os é a própria sociedade do espetáculo. A adesão pontifícia à suposta crítica do “mundo do espetáculo” santifica – e, portanto, leva ao seu ápice – uma tendência crescente nos últimos anos a banalizar a crítica revolucionária, anticapitalista e comunista, feita desde os anos 50-60 por Guy Debord e seus camaradas da Internacional Situacionista. Essa é, aliás, uma tendência presente desde os anos 80. Em 1988, em seus Comentários à sociedade do espetáculo, Guy Debord (1992, p. 19) escreveu algo a esse respeito:
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O poder do espetáculo, que é essencialmente unitário, centralizador pela força mesma das coisas, e perfeitamente despótico em seu espíri-to, se indigna frequentemente ao ver constituir-se, sob seu reino, uma política-espetáculo, uma justiça-espetáculo, uma medicina-espetáculo ou, do mesmo modo supreendentes, “excessos midiáticos”.
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Segundo Debord, nessa crítica da parte que deixa intacto o todo, o espetáculo é pensado como o “excesso do midiático”, ocorrendo, “muito frequentemente”, de os senhores da sociedade se declararem “mal servidos por seus empregados da mídia; mais frequentemente, reprovam à plebe dos espectadores sua tendência a entregar-se sem moderação, e quase bestialmente, aos prazeres midiáticos” (Debord, 1992, p. 19). Tal é, justamente, sabemos bem, o caso de Bento XVI.
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Mas o que vem a ser então o espetáculo, na perspectiva de Guy Debord? O que sua teoria crítica do espetáculo pode nos dizer do inegável fato de que vivemos numa sociedade que se caracteriza pela produção e reprodução de imagens? O que, enfim, quer dizer “imagem” e em que sentido, para Debord, podemos dizer que vivemos num mundo das imagens?
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RETRATO DA ALIENAÇÃO

Essa multidão chinesa, disposta de tal modo que compôs em si mesma um retrato de Mao, pode ser considerada como um caso-limite do espetacular concentrado do poder estatal, aquele que “na zona subdesenvolvida... reúne na ideologia e, no extremo, num só homem, todo o admirável... que deve ser aplaudido e consumido passivamente”. Aqui a fusão do espectador e da imagem a ser contemplada parece ter atingido sua perfeição policial. Ao acreditar útil, algum tempo depois, ir ainda além desse grau de concentração, a burocracia fez a máquina ir pelos ares.

[Internacionale Situationniste, nº 11, p. 5 (outubro de 1967)]


Em A sociedade do espetáculo, obra publicada em 1967, Guy Debord tem a pretensão de apresentar uma teoria crítica do capitalismo mais desenvolvido, ou seja, de uma etapa (ou fase) da sociedade produtora de mercadorias (a sociedade capitalista), na qual a lógica do trabalho assalariado estendeu-se à totalidade da vida cotidiana. Isso quer dizer que, em sua etapa espetacular, o capitalismo leva à imediatidade do vivido a mesma natureza contemplativa, passiva e hierárquica que é própria ao trabalho alienado; com isso, o capitalismo espetacular traz consigo uma dupla expropriação: da autonomia da atividade e da comunicatividade da linguagem, expropriação esta que, no âmbito da produção mercantil, é essencial ao trabalho assalariado. Essa expropriação tão central à produção capitalista de mercadorias emerge à esfera cotidiana da circulação mercantil quando esta mesma se impõe como forma social dominante das experiências dos indivíduos. Em outras palavras, a sociedade do espetáculo é, simplesmente, o capitalismo contemporâneo, no qual toda a cotidianidade está inteiramente submetida às rela-ções de troca privada, à compra e venda de mercadorias. A esse propósito, Debord e os situacionistas se referem às mais imediatas experiências e relações práticas dos indivíduos: o consumo quantitativo do tempo no trabalho e no lazer, a banalização quantitativa e destrutiva do ambiente urbano e natural, a abstração do habitat, o empobrecimento dos objetos industriais de uso cotidiano e de frui-ção estética, a locomoção espacial, as relações inter-subjetivas, a memória histórica, a pesquisa científica, o desenvolvimento técnico...
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Eles localizam na vida cotidiana a extensão e o aprofundamento da alienação e da reificação que Marx, no conjunto de sua obra, constatou como inerente à produção capitalista. N’O capital, essa constatação teórica ganha sua expressão mais forte no conceito de caráter fetiche da mercadoria, fetichismo que se estende ao dinheiro e ao capital. Sob essas relações sociais que têm por fim a produção do valor, e mais ainda, do valor que se autovaloriza, do dinheiro que se transforma em mais dinheiro, portanto, que têm a reprodução do capital como fim em si mesmo, os homens não têm controle sobre suas próprias atividades e relações sociais. Por isso Marx as nomeia de relações sociais fetichistas, porém não no sentido que os iluministas europeus davam no século XVIII às religiões pagãs da África e da América, isto é, como ilusões da consciência. Certamente, o fetichismo inerente às relações capitalistas produz uma consciência ilusória, invertida, pois toma por natural o fato de que as atividades e relações sociais se emancipem dos indivíduos, ao invés de tomá-lo por histórico, por socialmente produzido. Contudo, para Marx, e assim também é para Debord e os situacionistas, essa é uma ilusão objetiva, pois resultado de uma inversão prática existente fora das consciências dos indivíduos, pois de fato, e não apenas na consciência, a realidade social produzida pelos homens – coisas, relações sociais etc. – torna-se independente deles e passa a dominá-los com a objetividade de uma força natural.

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Mas a teoria crítica desenvolvida pelos situacionistas, e por Debord em particular, não apenas tem como centro a crítica do fetichismo da mercadoria; mas, justamente na determinação fetichista que se lhes apresenta como central à produção mercantil, os situacionistas indicam que são inseparáveis, na expropriação capitalista, a alienação da atividade e a alienação da comunicação entre os indivíduos. Perfazendo a análise de Marx nos Manuscritos econômico-filosóficos, podemos acrescentar, às formas da alienação ali expostas – a saber, a alienação do objeto produzido, da atividade produtiva (o próprio trabalho) e do gênero humano –, também a alienação desta atividade tão própria ao gênero quanto o é o próprio trabalho: a alienação da linguagem em sua potência comuni-cativa. Com Giorgio Agamben (1991), podemos dizer que a crítica situacionista do capitalismo mais desenvolvido conduz a uma verdadeira inovação teórica da crítica da economia política ao demonstrar que ao fetichismo da produção mercantil era e é imanente não apenas a alienação do trabalho, mas também, e de um modo tanto quanto essencial, a alienação da linguagem.


amo minha câmara porque amo viver
registro os melhores momentos da existência
eu os ressuscito à vontade em todo seu brilho

A DOMINAÇÃO DO ESPETÁCULO SOBRE A VIDA

Essa publicidade da câmara Eumig (verão de 1967) evoca muito justamente a glaciação da vida individual que se inverteu na perspectiva espetacular: o presente é vivido imediatamente como lembrança. Por essa espacialização do tempo, que está submetido à ordem ilusória de um presente acessível como permanente, o tempo e a vida foram conjuntamente perdidos.

[Internacionale Situationniste, nº 11, p. 57 (outubro de 1967)]
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Como sabemos, do ponto de vista do materialismo histórico, o que é próprio ao gênero humano é sua atividade prática, sua autoconstrução através de uma atividade sensível-material que, ao produzir um mundo humano histórico-social distinto do mundo natural, produz ao mesmo tempo o homem como ser histórico-social. A tese específica de Debord e dos situacionistas é que a expropriação desta atividade, quando ela se torna alienada, quando a própria força de trabalho se torna – no trabalho assalariado – uma mercadoria, deveria e deve ter por conseqüência a expropriação da linguagem comunicativa. No dizer de Marx e Engels (1984, p. 33-34), “a linguagem é a consciência real prática que existe também para outros homens e que, portanto, só assim existe também para mim”. Como atividade prática social, a linguagem é inseparável, para o bem e para o mal, de toda prática social. Ora, se toda prática social é comunicativa, dando-se assim pela mediação da linguagem, uma prática social alienada – porque fundada no trabalho alienado – deve trazer consigo, em conseqüência, não apenas uma “consciência invertida”, uma “falsa consciência”, como dizem Marx e Engels, mas também, nisto mesmo, uma “consciência real prática” alienada, ou seja, uma linguagem alienada, como acrescentam Debord e os situacionistas.
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Mas essa dimensão – digamos assim – “lingüístico”-comunicativa da alienação do trabalho assalariado só pode ficar clara – e não primeiramente em teoria, mas no vivido – quando o próprio desenvolvimento capitalista estende as características do trabalho alienado ao conjunto da vida social, isto é, quando o trabalho em sua forma alienada realiza, nas palavras de Debord (1998, § 10), a “ocupação total da vida cotidiana”; justamente aí, a alienação do trabalho se de-monstra ser “o contrário do diálogo” (idem, § 18). Essas teses, Debord as sintetiza no § 26 de A sociedade do espetáculo, quando afirma: “com a separação generalizada do trabalhador e de seu produto, perde-se todo ponto de vista unitário da atividade realizada, toda comunicação direta entre os produtores [...] [e] a atividade e a comunicação se tornam o atributo exclusivo da direção do sistema”.
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Se compreendermos assim a teoria debordiana do capitalismo contemporâneo, aproximamo-nos com mais rigor do que Debord e os situacionistas chamavam de espetáculo. O etmo da palavra espetáculo é o verbo latino espectare, verbo este que remete a um acompanhamento passivo de algo pela visão. E, de fato, já no primeiro texto da Internacional Situacionista (1997, p. 699), intitulado Informe sobre a construção das situações e sobre as condições de organização e da ação da tendência situacionista internacional, Debord afirma: “É fácil ver a que ponto está ligado à alienação do velho mundo o princípio do espetáculo: a não-intervenção”. Se a não-intervenção (como passividade e contemplação) é o princípio do espetáculo (tanto artístico quanto social), a ambos é inerente a exclusão da potência comunicativa da linguagem na forma da comunicação direta. Ora, essas são duas características que, aproximadamente, Freud indica também no sonho do indivíduo, e que fazem do sonho uma experiência regressiva, arcaica. Para o fundador da psicanálise, o sonho procede a duas formas de regressão que são centrais à caracterização que Debord apresenta do espetáculo: a primeira é que o sonho é uma regressão formal, pois inverte a condução das energias psíquicas, as quais, no estado de vigília, se movem do inconsciente e/ou do pré-consciente em direção à atividade motora, à sua externação prática, enquanto no sonho se dirigem regressivamente, retroversamente, ao sistema perceptivo; a se-gunda é que a satisfação onírica do desejo inconsciente, para furtar-se à censura, inverte a relação entre linguagem e imagem, regredindo à forma arcaica do domínio da imagem sobre a linguagem, impedindo que o desejo que aí se satisfaz seja lingüisticamente compreendido pela consciência, e apenas imageticamente percebido (Freud, 1987, p. 500). Se ao sonho cabe a satisfação do desejo que a censura oblitera, é somente sob a condição de que essa satisfação ocorra apenas perceptivamente, imageticamente, e não ativamente, no mundo exterior. Nesse sentido, o trabalho do sonho consiste em transformar o desejo inconsciente em imagens percebidas e perceptíveis; é essa a satisfação que lhe é permitida pela censura, e se trata, portanto, de uma satisfação alucinatória, através de uma descarga de energia psíquica em termos perceptivos. A regressão formal que opera aí, ao conduzir as energias psíquicas de volta ao sistema perceptivo (que, segundo Freud, é responsável pela recepção das excitações psíquicas provindas do mundo exterior), afastando-a da motilidade e da atividade externa, é justamente o que viabiliza a regressão imagética. Deste modo, o domínio da imagem sobre a linguagem é inseparável, no sonho, do domínio da percepção sobre a motilidade, sendo essas duas das condições pelas quais o sonho pode cumprir sua tarefa de nos fazer dormir.
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O PONTO CULMINANTE DA OFENSIVA DO ESPETÁCULO

Essa imagem foi bastante observada quando ela passou, em outubro de 1967, no canal protestante da televisão holandesa. Seu diretor, que é um antigo pregador, declarou então: “Nós queremos mostrar que mulheres nuas podem ser muito belas”. Pode-se admitir que a inversão espetacular da vida real atingira aí o cúmulo inultrapassável. Em sua segurança crescente, os experts dos mass media se propõem a revelar ao gado que os contempla uma verdade que, de outro modo, lhe teria sempre escapado; e eles se gabam dessa contribuição ao progresso cultural das multidões, as quais estão persuadidos de terem reduzido a uma passividade definitiva e absoluta. E, é claro, lhes entrega essa realidade, após as outras, precisamente sob a forma em que ela escapa a todo uso concreto, a toda comunicação real, atrás da vitrine do espetáculo inacessível que “se encarregou da totalidade da existência humana”. Como para confirmar a pensamento dialético de Clausewitz, o espetáculo, no momento em que impulsionou a tão longe sua invasão da vida social, vai conhecer o começo da inversão da relação de forças. Nos meses seguintes, a história e a vida real retornaram ao assalto do céu espetacular. E essa contra-ofensiva não cessará antes do fim do mundo da separação.

[Internacionale Situationniste, nº 12, p. 50 (setembro de 1969)]

“O espetáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada, que finalmente não exprime senão o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guardião deste sono”, diz Debord (1998, § 21). Como o sonho, o espetáculo é duplamente regressivo, ao amarrar numa mesma experiência de alienação, a passividade e a contemplação: passividade que transforma a atividade prática em gozo e satisfação perceptiva, alucinatória, e contemplação que nos reconduz da linguagem co-municativa à mudez do espectador. Se quisermos, é o bebê arcaico que, assim como no sonho, retorna no espetáculo, buscando uma satisfação passiva de suas carências. Essas carências, produzidas sob a forma fetichista da produção de mercadorias, se apresentam, para Debord, não como desejos inconscientes, mas como necessidades inconscientes do sistema econômico, como constrangimentos de uma força arcaica que são as próprias relações econômicas capitalistas, emancipadas dos indivíduos e a eles sobrepostas. Numa das passagens mais fundamentais de A sociedade do espetáculo, Debord afirma, acerca do capitalismo espetacular: “O mais moderno é também aí o mais arcaico” (idem, § 23).
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Se o espetáculo é, como diz ainda Debord, não “um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens” (idem, § 3), assim o é enquanto se constitui de imagens arcaicas, que expressam a muda passividade contemplativa do homem contemporâneo. No momento em que lê esse último parágrafo citado no filme A sociedade do espetáculo, Debord (1994, p. 67) apresenta a imagem de uma assembléia de operários, que ouvem com des-contentamento e desprezo, embora em silêncio e passivos, o discurso de um dirigente sindical na CGT francesa em maio de 1968. Nessa cena, a imagem arcaica que medeia a relação entre aqueles indivíduos é justamente o monopólio da palavra pela representação sindical hierárquica (necessariamente hierárquica); esse monopólio da palavra é ele próprio uma relação social, constituída de passividade e contemplação, por isso mesmo, extensão da lógica do trabalho assalariado para as relações dos trabalhadores sindicalizados com sua representação sindical.
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No parágrafo em que afirma a identidade entre o moderno e o arcaico no espetáculo, Debord (1998, § 23) diz ser o espetáculo “a representação diplomática da sociedade hierárquica perante si própria, onde qualquer outra palavra é banida”. Essa definição ilumina aquela que, logo no início do livro, ele dá para o espetáculo: este seria um “pseudomundo à parte, objeto de exclusiva contemplação”, um “mundo da imagem autonomizada, onde o mentiroso mentiu a si pró-prio” (idem, § 2). Assim, podemos indicar que o sentido que Debord empresta à noção de “imagem” é essa relação social em que as forças práticas humanas se separam do próprio homem, em que uma parte do mundo prático humano se independentiza, passando a monopolizar toda atividade e toda palavra, impondo-se como objeto de contemplação passiva; é, também por isso, um mundo falso, e que mente para si mesmo, pois é um mundo em que a atividade efetiva do produtor é expropriada pelo seu produto, que, assim, se torna no sujeito fantasmagórico de toda atividade social.
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A imagem, no sentido debordiano, não diz respeito, em primeiro lugar, à imagem sensível, visível. É importante afirmar isso para que afastemos Debord e os situacionistas de qualquer suspeita de aversão metafísica da imagem, no seu aspecto sensível, visível, algo semelhante a um platônico vulgar que encontra em toda imagem um simulacro, um falseamento do real. O fato de que o seu primeiro experimento fílmico tenha sido produzido com apenas duas imagens (mas não sem imagens!), uma tela branca e uma tela negra que se sucediam, aliado ainda a uma leitura ligeira de A sociedade do espetáculo, certamente contribuiu para essa suspeita. Contudo, é preciso observar também que todos seus restantes filmes utilizam imagens, umas filmadas por ele mesmo, outras tomadas de outros autores; mas essas imagens deixam de ter um movimento próprio, sendo submetidas a uma colagem cujo sentido se encontra no texto que é lido. No § 36 de A sociedade do espetáculo, Debord opõe claramente a imagem e o sensível: no espetáculo, diz ele, “o mundo sensível se encontra substituído por uma seleção de imagens que existem acima dele, e que ao mesmo tempo se fez reconhecer como o sensí-vel por excelência”. Essa passagem é fundamental para o esclarecimento do estatuto da imagem na teoria crítica do espetáculo, pois nos indica que as imagens a que se refere são expressões de uma força supra-sensível, pois existente acima do mundo sensível, e que, contudo, se impõe ao mundo sensível, apresentando-se como sensível, aliás, como o próprio sensível. Se a imagem, no sentido debordi-ano, não é primeiramente o sensível, mas o supra-sensível, é porque a imagem é, nessa teoria, a força abstrata e fetichista do valor econômico, em busca de sua autovalorização; noutra passagem, Debord diz justamente que o espetáculo “é o capital a um tal grau de acumulação que se torna imagem” (idem, § 34). Mas, notemos, o capital que se faz imagem é uma força supra-sensível que se faz sensível, que se impõe ao mundo sensível dos objetos, do espaço, do uso do tempo etc., fazendo-se reconhecer aí como o único sensível a que passamos ter acesso.
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Ocorre aí uma espécie de retorno do supra-sensível ao sensível, retorno do qual resulta um domínio da economia sobre a aparência sensível do mundo social dos homens, fazendo com que esta aparência social se torne em aparência da economia capitalista. Debord fala num “monopólio da aparência” pelo espetáculo (idem, § 12). Isso acontece justamente porque todo este mundo sensível – o mundo da vida cotidiana – no qual vivemos e nos relacionamos (e não há outro em que possamos viver e nos relacionar), se transformou todo ele na esfera aparente da circulação mercantil; ele se torna a esfera aparente na qual se manifesta, submetendo-a, o movimento de produção e reprodução do capital. Deste modo, ocorre uma profunda transformação na natureza sensível deste mundo aparente no qual vivemos, que passa assim a ser a aparência da economia; mas quando a aparência social torna-se toda ela a aparência da economia, com a vida cotidiana submetida às trocas mercantis, o capital se torna imagem, se torna aparência sensível, isto é, manifesta o seu poder e sua presença na vida social mais imediata. O capital que se faz imagem não apenas submete a si o mundo sensível, mas ele se mescla tão fortemente com ele que a lógica do mundo sensível passa a ser a lógica supra-sensível do capital. O capital que se deixa ver, em seu poder e sua presença, nas mais imediatas experiências sensíveis dos homens, do transporte à alimentação, é certamente o capital tornado imagem; mas, em conseqüência, o sensível se torna, em contrapartida, algo supra-sensível, cujo sentido está não nele mesmo, mas além. No mundo da mercadoria total, o espetáculo é assim a única coisa que pode ser vista.
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A conseqüência mais radical dessa transformação do mundo sensível aparente da vida cotidiana diz respeito à nossa sensibilidade, às nossas próprias faculdades perceptivas. O domínio da imagem sobre a atividade e a linguagem comunicativa é também o domínio do ver, da visão, sobre outras faculdades sensíveis dos homens, tais como o tato e a escuta. Acerca disso, Debord afirma: “O espetáculo, como tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente apreensível, encontra normalmente na vista o sentido humano privilegiado que noutras épocas foi o tato; o sentido mais abstrato, e mais mistificável, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual” (idem, § 18). Assim, Debord indica a ocorrência no capitalismo contemporâneo de uma verdadeira mutação antropológica. O “espetáculo faz ver”, diz ele noutro lugar, um “mundo ao mesmo tempo presente e ausente”, “o mundo da mercadoria dominando tudo que é vivo” (idem, § 37). Em vários outros parágrafos, aparece essa mesma afirmação de que o espetáculo “faz ver”, “dá a ver”, “deixa ver”. Ora, fazer ver, dar a ver, deixar ver é uma atividade de um sujeito abstrato (a relação social capital, autonomizada dos homens), que impõe aos indivíduos (os espectadores) uma passividade que, em termos sensíveis, se expressa numa contemplação visual. Debord não deixa de alertar que o espetáculo “não pode ser compreendido como o abuso de um mundo da visão, o produto das téc-nicas de difusão massiva de imagens” (idem, § 5), e que o espetáculo “não é identificável ao simples olhar” (idem, § 18). De fato, pois sua denúncia não se dirige ao mundo visível-sensível enquanto tal, mas justamente ao domínio do sensível pelo supra-sensível. Mas esse mundo sensível dominado pelo supra-sensível, embora permaneça ainda sensível, torna-se tão abstrato quanto o supra-sensível que o domina; o que se impõe para ser visto e contemplado já um sensí-vel completamente transformado em sua própria natureza sensível, assim como a visão que o contempla já foi completamente transformada, até mesmo policialmente educada, pela abstração que se torna visível. O privilégio unilateral da visão, num mundo que não é mais o teatro das ações autônomas dos indivíduos, mas um mundo de objetos de exclusiva contemplação, resulta num desenvolvimento mutilado das faculdades perceptivas, de modo que a faculdade visual que aí se desenvolve unilateralmente torna-se uma faculdade perceptiva abstrata, pois separada da atividade, da comunicação e do domínio prático humano sobre seus objetos vistos. Ela se torna semelhante à intuitio metaphysica, à intuição contemplativa de objetos transcendentes. Por isso mesmo, no parágrafo seguinte ao último citado, Debord relaciona o domínio da visão sensível na sociedade do espetáculo à visão contemplativa da metafísica ocidental: “O espetáculo é o herdeiro de toda a fraqueza do projeto filosófico ocidental, que foi uma compreensão da atividade, dominada pelas categorias do ver”; e complementa ao final: “Ele não realiza a filosofia, ele filosofa a realidade. É a vida concreta de todos que se de-gradou em universo especulativo” (idem, § 19).
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Os situacionistas e as novas formas de ação na política ou na arte

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Nessa legenda impossível de ler-se, está escrito: "Em nome da IS, Guy Debord sela acordo de cooperação entre os programas históricos das vanguardas políticas e estéticas. Nesse registro, Mallarmé (esquerda) cumprimenta Marx (direita) fitados por Debord, que não mediu esforços para a unificação de ambos os programas".


Com muita alegria publico aqui a tradução (rigorosa, bem anotada, com base numa profunda consciência histórica) deste documento pouco comentado nos escritos sobre Debord e a Internacional Situacionista. Em sua publicação pelas edições Potlatch é antecedido de uma apresentação histórica e teórica de Erick Corrêa, que também o traduziu, e por Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário, de autoria de Debord e Pierre Canjuers, então militante de Socialismo ou Barbárie, texto traduzido por mim e pelo camarada Romain Dunand, publicado e distribuído, também no método potlatch, pela experiência de Os enraivecidos (2001). Convido os leitores desse blog a reproduzirem-no. A nota seguinte (e que, na publicação potlatch, antecede a tradução do texto de Debord) é também do camarada Erick Corrêa (também autor da montagem publicada acima). Boa leitura!



Em 1963, no contexto de uma manifestação na Dinamarca denunciando a construção de abrigos anti-nucleares (crítica do urbanismo e da guerra-fria), a IS organizou uma “instalação” e publicou um catálogo chamado Destruction of the RSG 6. O texto de Guy Debord traduzido abaixo (do original em língua francesa), Os Situacionistas e as novas formas de ação na política ou na arte, foi aí reproduzido em dinamarquês, inglês e francês. Esse texto avança em relação ao programa esboçado em Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário (1960) na medida em que representa uma nova estratégia acordada pela organização com o objetivo de romper “por todos os meios, mesmo artísticos”, com os sucessores das vanguardas (políticas e estéticas) herdeiras – de um modo ou de outro – do antigo movimento social revolucionário. Tal avanço reside justamente na transição prática que ele reflete e prefigura, transição que é, ao mesmo tempo, o ponto de partida da operação que levará ao movimento de maio de 1968, em cujo bojo a questão de uma comunicação direta, de uma diálogo prático com as tendências revolucionárias de sua época recolhe a partir de então uma importância progressiva e essencial. Esse texto apresenta uma síntese seminal das questões discutidas em Comunicação, arte e revolução em Guy Debord, texto que introduz as presentes traduções (Nota do tradutor).
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O movimento situacionista aparece simultaneamente como uma vanguarda artística, uma pesquisa experimental sobre a via de uma construção livre da vida cotidiana, enfim, uma contribuição à edificação teórica e prática de uma nova contestação revolucionária. Daqui em diante, toda criação fundamental na cultura quanto toda transformação qualitativa da sociedade encontram-se reservadas aos progressos de tal esforço unitário.

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Uma mesma sociedade da alienação, do controle totalitário, do consumo espetacular passivo reina por toda parte, apesar de algumas variações em seus disfarces ideológicos e jurídicos. Não se pode compreender a coerência dessa sociedade sem uma crítica total, esclarecida pelo projeto inverso de uma criatividade liberada, o projeto de dominação de todos os homens sobre sua própria história, em todos os níveis.


Portar em nosso tempo tal projeto e esta crítica inseparáveis (cada um dos termos remetendo ao outro) significa, de imediato, despertar todo o radicalismo do qual foram portadores o movimento operário, a poesia e a arte modernas e o pensamento da época de ultrapassagem da filosofia, de Hegel a Nietzsche. Para tanto, primeiro é preciso reconhecer em toda sua extensão, sem ter acolhido nenhuma ilusão consoladora, a derrota do conjunto do projeto revolucionário no primeiro terço desse século e sua reposição oficial, em toda região do mundo como em todo domínio, por bugigangas mentirosas que recobrem e organizam a velha ordem.


Retomar o radicalismo desse modo implica naturalmente também um aprofundamento considerável de todas as antigas tentativas libertadoras. A experiência de sua incompletude no isolamento, ou de seu retorno em mistificação global conduz a melhor compreender a coerência do mundo a transformar – e, a partir da coerência reencontrada, pode-se salvar muito das pesquisas parciais continuadas no passado recente, que penetram deste modo em sua verdade. A apreensão dessa coerência reversível do mundo, tal como é e tal como é possível, desvenda o caráter falacioso das reformas (demi-mesures) e o fato de que há essencialmente uma reforma cada vez que o modelo de funcionamento da sociedade dominante – com suas categorias de hierarquização e especialização e, consequentemente, seus hábitos ou seus gostos – reconstitui-se no interior das forças da negação.


Igualmente, o desenvolvimento material do mundo acelerou-se. Ele acumula cada vez mais poderes virtuais; e os especialistas da direção da sociedade, pelo fato mesmo de seu papel de conservadores da passividade, são forçados a ignorar seu emprego. Esse desenvolvimento acumula ao mesmo tempo uma insatisfação generalizada e mortais perigos objetivos, que os dirigentes especializados são incapazes de controlar duravelmente.


Sendo a ultrapassagem da arte posta pelos situacionistas em tal perspectiva, se compreenderá que quando falamos de uma visão unificada da arte e da política, isso não quer dizer absolutamente que recomendamos uma qualquer subordinação da arte à política. Para nós e para todos que começam a olhar esta época de uma maneira desmistificada, já não havia mais arte moderna, exatamente do mesmo modo que não havia mais política revolucionária constituída em lugar algum, desde o fim dos anos trinta. Seu retorno agora pode ser apenas sua ultrapassagem, isto quer dizer justamente a realização do que foi sua exigência a mais fundamental.


A nova contestação, da qual falam os situacionistas, já se levanta por todos os lugares. Nos grandes espaços da não-comunicação e do isolamento organizados pela ordem atual, sinais surgem através de escândalos de um gênero novo, de um país a outro, de um continente a outro; seu intercâmbio começou.


Trata-se para a vanguarda, em todo lugar em que ela se encontra, de religar entre si suas experiências e suas pessoas; de unificar, assim como tais grupos, a base coerente de seu projeto. Devemos fazer conhecer, explicar e desenvolver esses primeiros gestos da próxima época revolucionária. Eles são reconhecíveis por concentrarem neles novas formas de luta e um novo conteúdo, manifesto ou latente, da crítica do mundo existente. Assim a sociedade dominante, que se orgulha tanto de sua modernização permanente, vai encontrar a quem falar, pois ela produziu enfim uma negação modernizada.


Assim como fomos severos para recusar que se misturem ao movimento situacionista intelectuais ambiciosos ou artistas incapazes de nos compreender verdadeiramente, para rejeitar e denunciar diversas falsificações da qual o pretenso “situacionismo” nashista(1) é o mais recente exemplo, do mesmo modo estamos decididos a reconhecer como situacionistas, a apoiar, a nunca desaprovar os autores dos novos gestos radicais, mesmo se entre eles vários ainda não são plenamente conscientes, mas somente sob a via da coerência do programa revolucionário de hoje.


Limitemo-nos a alguns exemplos de gestos que aprovamos totalmente. Em 16 de janeiro, estudantes revolucionários de Caracas atacaram à mão armada a exposição de arte francesa e levaram cinco quadros pelos quais eles propuseram em seguida a restituição em troca de prisioneiros políticos. Os quadros foram retomados pelas forças de ordem, não sem que Winston Bermudes, Luis Monselve e Gladys Troconis se defendessem abrindo fogo sobre elas: outros camaradas jogaram alguns dias depois sobre o caminhão da polícia que transportava os quadros recuperados duas bombas que infelizmente não conseguiram destruí-lo. Aí está manifestamente uma maneira exemplar de tratar a arte do passado, de repô-la em jogo na vida e sobre o que ela tem de realmente importante. É provável que desde a morte de Gauguin (“Quis estabelecer o direito de tudo ousar”) e de Van Gogh, jamais suas obras, recuperadas por seus inimigos, tenham recebido do mundo cultural uma homenagem que se ajuste a seu espírito como este ato dos venezuelanos. Durante a insurreição de Dresden em 1849, Bakunin propôs, sem ser seguido, retirar os quadros do museu e colocá-los sobre uma barricada na entrada da cidade, para ver se as tropas assaltantes não seriam por eles constrangidas a continuar seus tiros. Vê-se ao mesmo tempo como este affaire de Caracas renova um dos mais altos momentos do levante revolucionário no último século, e como no conjunto ele vai mais longe.


Não menos motivada nos parece a ação dos camaradas dinamarqueses que, nas últimas semanas, recorreram várias vezes à bomba incendiária contra as agências que organizam as viagens turísticas na Espanha assim como a emissões radiofônicas clandestinas para alertar a opinião pública contra o armamento termonuclear. No contexto do confortável e entediante capitalismo “socializado” dos países escandinavos, é muito encorajador que surjam homens que, por sua violência, fazem descobrir alguns aspectos da outra violência que funda essa ordem “humanizada”, seu monopólio da informação, por exemplo, ou a alienação organizada nos lazeres ou o turismo. Com o revés horrível que se deve aceitar em excesso desde que se aceita o tédio confortável: não apenas esta paz não é a vida, mas ela repousa sobre a ameaça de morte atômica; não apenas o turismo organizado é apenas um espetáculo miserável que recobre os países reais atravessados, mas ainda a realidade do país que se transforma assim em espetáculo neutro é a polícia de Franco.


Enfim, a ação dos camaradas ingleses que divulgaram em abril a localização e os planos do “Abrigo governamental da Sexta Região” tem o imenso mérito de revelar o grau já atingido pelo poder estatal em sua organização do terreno, o agenciamento bem avançado de um funcionamento totalitário da autoridade que não está somente ligado à perspectiva da guerra. É bem antes a ameaça por todos os cantos alimentada de uma guerra termonuclear que a partir do presente, a Leste e a Oeste, serve para manter as massas na obediência e para organizar os abrigos do poder. Para reforçar as defesas psicológicas e materiais do poder das classes dirigentes. O restante do urbanismo moderno na superfície obedece às mesmas preocupações. Já escrevíamos em abril de 1962, no número 7 da revista situacionista de língua francesa Internationale situationniste, a propósito dos abrigos individuais construídos nos Estados Unidos durante o ano precedente: “Como em todas as intimidações, a proteção é aqui apenas um pretexto. O verdadeiro uso dos abrigos é a medida – e por aí mesmo o reforço – da docilidade das pessoas, e a manipulação dessa docilidade em um sentido favorável à sociedade dominante. Os abrigos como criação de um novo gênero consumível na sociedade da abundância, provam mais do que nenhum dos produtos anteriores que se pode fazer os homens trabalharem para preencher necessidades altamente artificiais; e que seguramente permanecem necessidades sem jamais terem sido desejos. O novo habitat que toma forma com os “grandes conjuntos” não é realmente separado da arquitetura dos abrigos. Ele disso representa somente um grau inferior; ainda que lhe seja aparentemente estreito. A organização concentracionária da superfície é o estado normal de uma sociedade em formação cujo resumo subterrâneo representa o excesso patológico. Esta doença revela melhor o esquema desta saúde”.


Os ingleses acabam de aportar uma contribuição decisiva ao estudo desta doença e, portanto, também ao estudo da sociedade “normal”. Este estudo é ele mesmo inseparável de uma luta que não tem receio de ir além dos velhos tabus nacionais da “traição”, quebrando o segredo que é vital para o bom andamento do poder na sociedade moderna, para tantos propósitos, por de trás da tela espessa de sua inflação “informacional”.


A sabotagem foi estendida ulteriormente, apesar dos esforços policiais e de numerosas prisões, invadindo surpreendentemente estados-maiores secretos isolados no campo (onde certos responsáveis foram fotografados à força) ou bloqueando sistematicamente quarenta linhas telefônicas dos centros de segurança britânicos com chamadas ininterruptas dos números ultra-secretos igualmente descobertos.


É este primeiro ataque contra o ordenamento dominante do espaço social que quisemos cumprimentar, e estender, organizando na Dinamarca a manifestação Destruction of the RSG 6. Fazendo-o nós visamos não apenas a extensão internacionalista desta luta, mas igualmente sua extensão para outro front, para o aspecto artístico da mesma luta global.


A criação cultural que se pode chamar situacionista começa com os projetos de urbanismo unitário ou de construção de situações na vida, e suas realizações não são, portanto, separáveis da história do movimento de realização do conjunto das possibilidades revolucionárias contidas na sociedade presente. No entanto, na ação imediata que deve ser empreendida no seio do que queremos destruir, uma arte crítica pode ser feita a partir de agora com os meios de expressão cultural existentes, do cinema aos quadros. É o que os situacionistas resumiram pela teoria do détournement (desvio). Crítica em seu conteúdo, esta arte deve ser também crítica dela mesma em sua forma. É uma comunicação que, conhecendo as limitações da esfera especializada da comunicação estabelecida, “vai agora conter sua própria crítica”.


A propósito da “RSG 6”, arranjamos primeiro uma atmosfera de abrigo anti-atômico, como primeira passagem que faz pensar, após a qual se encontra uma zona de negação conseqüente desse gênero de necessidade. A arte utilizada aqui de uma maneira crítica é a pintura.


O papel revolucionário da arte moderna, que culminou com o dadaísmo, foi a destruição de todas as convenções na arte, na linguagem ou nas condutas. Como evidentemente o que é destruído na arte ou na filosofia não está ainda varrido concretamente dos jornais ou das igrejas, e como a crítica das armas não seguia então certos avanços da arma da crítica, o dadaísmo mesmo tornou-se uma moda cultural classificada, e sua forma retornou recentemente em divertimento reacionário pelos neo-dadaístas que fazem carreira retomando o estilo inventado antes de 1920, explorando cada detalhe desmedidamente aumentado, e fazendo servir tal “estilo” à aceitação e à decoração do mundo atual.


No entanto, a verdade negativa que conteve a arte moderna foi sempre uma negação justificada da sociedade que a entornava. Em 1937 em Paris, quando o embaixador nazi Otto Abetz perguntava a Picasso diante de seu quadro Guernica: “Foi o senhor que fez este?”, Picasso respondia muito justamente: “Não, foi o senhor”.


A negação, e também o humor negro, que tanto se espalhou na poesia e na arte modernas após a experiência do primeiro conflito mundial, merecem reaparecer seguramente a propósito do espetáculo do terceiro conflito mundial, espetáculo no qual vivemos. – Então que os neo-dadaístas falam de carregar de positividade (estética) a recusa plástica de Marcel Duchamp outrora, estamos seguros de que tudo que o mundo nos dá atualmente como positivo pode apenas recarregar sem fim a negatividade das formas de expressão atualmente permitidas, e por esse desvio constituir a única arte representativa desse tempo. Os situacionistas sabem que a positividade real virá de outro lugar, e que a partir do presente essa negatividade aí colabora.


Para além de toda preocupação pictural; e esperamos mesmo para além de tudo o que pode lembrar uma complacência a uma forma, apodrecida desde mais ou menos muito tempo, da beleza plástica, nós traçamos aqui alguns sinais perfeitamente claros.


As “diretivas” expostas sobre quadros vazios ou sobre um quadro abstrato desviado devem ser consideradas como slogans que se poderá ver escritos sobre os muros. Os títulos em forma de proclamação política de certos quadros têm seguramente o mesmo sentido derrisório e de retorno do pompiérisme(2) em voga, que busca estabelecer-se sobre uma pintura de “sinais puros” incomunicáveis.


As “cartografias termonucleares” ultrapassam no conjunto todas as trabalhosas pesquisas da “nova figuração” em pintura, pois elas unem os procedimentos mais liberados da action-painting a uma representação que pode pretender a perfeição realista de várias regiões do mundo em diferentes momentos da próxima guerra mundial.


Com a série de “vitórias” trata-se – aí misturando ainda a maior desenvoltura ultramoderna ao realismo minucioso de um Horace Vernet – de renovar com a pintura de batalhas; mas inversamente a Georges Mathieu e o retorno ideológico retrógrado sob o qual ele fundou seus insignificantes fragmentos publicitários. A inversão a que aqui chegamos corrige a história do passado de modo melhor, mais revolucionário e mais feliz como ela jamais foi. As “vitórias” continuam o desvio otimista-absoluto pelo qual Lautréamont já, pagando por audácia, se inscreveu em falso contra todas as aparências da tragédia e de sua lógica: “Não aceito o mal. O homem é perfeito. A alma não cai. O progresso existe... Até o presente, descreve-se a catástrofe, para inspirar o terror, a piedade. Descreverei a felicidade para inspirar os contrários... Enquanto meus amigos não morrerem, não falarei da morte.”



Guy Debord, junho de 1963

Traduzido por Erick Corrêa


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1. O epifenômeno nashista recolhe a nosso ver uma polêmica bastante insignificante, além de não ser este o espaço adequado para nos aprofundarmos nela. O que importa é a origem mesma da demissão de Jørgen Nash (demissão que se desdobra posteriormente no nashismo, obviamente exterior à IS) que, na V Conferência de Göteborg (1961) exprimiu em nome da seção escandinava alguns desacordos com relação as perspectivas ali apresentadas por Raoul Vaneigem e aprovadas pela organização. A respeito, consultar o relatório da V Conferência, publicado em 1962 na Internationale situationniste nº7 (disponível em: http://i-situationniste.blogspot.com/2007/04/la-cinquieme-conference-de-lis-goteborg.html) e também o texto L’operation contre-situationniste dans divers pays, publicado em 1963 no número seguinte da revista (disponível em: http://i-situationniste.blogspot.com/2007/04/operation-contre-situationniste-dans.html. Nota do tradutor).

2. Na cultura francesa, o pompiérisme designa uma arte “pretenciosa”, “academicista”, “pomposa”, como nas pinturas militares. Daí a origem do termo que advém de pompier: bombeiro (Nota do tradutor).

O regime espetacular integrado: estado de exceção permanente

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.. Estamos em todo lugar, de Tarnac a Atenas. É a insurreição que vem
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No dia 11 de novembro de 2008, a Polícia antiterrorista do Estado francês invadiu uma fazenda em Tarnac (França), na qual viviam, numa experiência comunitária, 9 ativistas anticapitalistas, dentre eles alguns ligados à revista Tiqqun, que foram presos, acusados logo em seguida de "terroristas". As manobras políticas, midiáticas e judiciárias que se seguiram para "provar" o que a polícia do Estado francês queria "provar" demonstram o aprimoramento das técnicas de governo do que Debord chamava de espetacular integrado, conceito de algum modo inspirador das reflexões de Giorgio Agamben sobre o predomínio atual do estado de exceção permanente como paradigma das técnicas de governo.
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Segundo Debord, o espetacular integrado funde as características totalitárias do antigo espetáculo concentrado com as características das democracias espetaculares difusas. Assim como a União Soviética stalinista e a Alemanha nazista constituíram a experiência mais radical do espetáculo concentrado, e os Estados Unidos a do espetáculo difuso, a França e a Itália foram o laboratório das novas técnicas de governo espetaculares integradas, na seqüência do combate e da vitória do Estado contra a contestaçlão social que se seguiu ao movimento de ocupações de fábricas em maio de 68 na França, contestação que, nos anos seguintes, espalhou-se a diversos países, dentre eles, e com destaque, a Itália.
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O fato de que o Estado italiano tenha, com a ajuda do PCI e seus sindicatos, combatido e derrotado violentamente a insurgência revolucionária que se desenvolveu durante toda a década de 70, com mentiras, repressões, prisões arbitrárias, torturas, falsificação de provas e de informações, até chegar ao aperfeiçoamento dessas técnicas com a figura jurídica da "delação premiada" e dos "arrependidos", tudo isso foi a experiência que consolidou um método de governo que, depois, se tornou modelo para outras democracias espetaculares. A democracia espetacular de massas (o antigo espetacular difuso) integrou a si, como método normal de governo, as formas totalitárias (próprias ao espetacular concentrado).
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A França agora, como já antes no caso da extradição de Cesare Battisti, retoma esse método contra os/as companheiros/as de Tarnac. Na verdade, a retomada aberta e generalizada desses métodos, após os até hoje não esclarecidos ataques às torres do World Trade Center em 11 de setembro de 2001, visou ao combate contra os movimentos de contestação anticapitalista, que, desde o final dos anos 90 (principalmente, a partir de Seattle), se espalharam e radicalizaram um pouco por todo canto. As repressões ao movimento anticapitalista nos EUA, com prisões arbitrárias (para "esclarecimento" e "investigação") de ativistas e contestadores e escutas telefônicas e acompanhamentos de correios eletrônicos, tiveram antes sua expressão acabada, mas não finalizada, na violenta repressão às manifestações anticapitalistas em julho de 2001 em Gênova. Nessa ocasião toda liberdade de manifestação e expressão foi suspensa, com a prisão de centenas de pessoas, que foram submetidas a mal-tratos e espancamentos, com a invasão de sedes de comitês, de organizações autônomas, do CMI etc., terminando com a assassinato do companheiro Giuliano, em plena rua. No México, a criminalização contra os companheiros de Oaxaca e Atenco; na França, o processo e condenação contra o companheiro Romain Dunant, a decisão judicial de extradição de Cesare Battisti, agora as prisões e processos contra os companheiros de Tarnac; na Itália a condenação dos companheiros que foram presos e processados pela participação nas manifestações de julho de 2001... O espetacular integrado demonstra-se cada vez mais afim ao seu conceito.
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Publico abaixo uma série de quatro textos sobre o caso dos acusados de 11 de novembro, na França. Primeiro, um manifesto escrito e assinado por Giorgio Agamben; em seguida, um outro manifesto assinado por vários intelectuais europeus; e, por fim, dois pequenos panfletos do Comitê de Solidariedade aos acusados de 11 de novembro. A tradução desses textos é dos/as companheiros/as do Comitê Vandalista de Segurança Pública.
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Terrorismo ou tragicomédia
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Giorgio Agamben. Libération, 19/11/08
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Ao amanhecer do 11 de novembro, 150 policiais, dos quais a maior parte pertencia às brigadas antiterroristas, cercaram um vilarejo de 350 habitantes sob o planalto de Millevaches antes de penetrar uma fazenda para conter 9 jovens (que teriam retomado a mercearia local e tentado retomar a vida cultural do vilarejo). Quatro dias depois, as 9 pessoas interpeladas foram deferidas diante um julgamento antiterrorista e «acusadas de associação de malfeitores com finalidade terrorista». Os jornais relatam que a ministra do Interior e o chefe de Estado «felicitaram a polícia e a germanderie por sua eficácia». Tudo está em ordem na aparência. Mas tentemos examinar de mais perto os fatos e delimitar as razões e os resultados dessa «eficácia».
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Primeiro, as razões: os jovens que foram interpelados «seriam seguidos pela polícia em razão de seu pertencimento à ultra-esquerda e ao movimento anarco-autonômo». Como o precisa o entorno da ministra do Interior, «eles têm discursos muito radicais e mantêm relações com grupos estrangeiros». Mas tem mais: alguns dos interpelados «participariam de maneira regular das manifestações políticas», e, por exemplo, «das manifestações contra o Arquivo Edvige (1) e contra o reforço das medidas sobre a imigração». Um pertencimento político (é o único sentido possível para monstruosidades lingüísticas como «movimento anarco-autônomo»), o exercício ativo das liberdades políticas, a propriedade do discurso radical são suficientes, portanto, para pôr em andamento a Subdireção antiterrorista da polícia (Sdat) e a Direção Central da Informação Interior (DCRI). Ora, quem possui um mínimo de consciência política não pode senão partilhar a inquietação destes jovens face às degradações da democracia que provocam o Arquivo Edvige, os dispositivos biométricos e o endurecimento das regras sobre a imigração.
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Quanto aos resultados, esperava-se que os investigadores encontrassem na fazenda de Millevaches armas, explosivos, e coquetéis Molotov. Pelo contrário. Os policiais da Sdat caíram sobre «documentos precisando os horários de passagem dos trens, comuna por comuna, com o horário de partida e de chegada nas estações». Em bom francês: um horário da SNCF. Mas eles também resgataram um «material de escalada». Em bom francês: uma escala, como aquelas que se encontram em qualquer casa de campo.
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E, portanto, tempo de vir aí às pessoas interpeladas e, sobretudo, ao chefe pressuposto deste bando terrorista, «um líder de 33 anos saído de um meio próspero e parisiense, vivendo graças aos subsídios de seus pais». Trata-se de Julien Coupat, um jovem filósofo que animou há pouco, com alguns de seus amigos, Tiqqun, uma revista responsável por análises políticas certamente discutíveis, mas que conta ainda hoje entre as mais inteligentes deste período. Conheci Julien Coupat nesta época e lhe guardo, do ponto de vista intelectual, uma estima durável.
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Passemos, portanto, ao exame do único fato concreto de toda esta história. A atividade dos interpelados estaria ligada com os atos de hostilidade contra a SNCF que causaram em 8 de novembro o atraso de certos TGV na linha Paris-Lille. Estes dispositivos, se se crê nas declarações da polícia e dos agentes da SNCF, eles mesmos não podem em nenhum caso provocar prejuízos às pessoas: eles podem, no máximo, impedindo a alimentação dos pantógrafos dos trens, causar o atraso destes. Na Itália, os trens atrasam muito frequentemente, mas ninguém ainda sonhou em acusar de terrorismo a Sociedade Nacional das Estradas de Ferro. Trata-se de delitos menores, ainda que ninguém se proponha a garanti-los. Em 13 de novembro, um comunicado da polícia afirmava com prudência que há talvez «autores das degradações entre os detentos provisorios, mas que não é possível imputar uma ação a um ou outro entre eles».
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A única conclusão possível deste tenebroso caso é que aqueles que se engajam ativamente hoje contra a maneira (de resto discutível) pela qual se gestiona os problemas sociais e econômicos são considerados ipso facto como terroristas em potencial, mesmo quando nenhum ato justificaria esta acusação. É preciso ter a coragem de dizer com clareza que hoje, em numerosos países europeus (em particular na França e na Itália), se tem introduzido leis e medidas policias que se teriam anteriormente julgadas bárbaras e antidemocráticas e que não deixam nada a desejar àquelas em vigor na Itália durante o fascismo. Uma dessas medidas é aquela que autoriza a detenção por uma duração de 96 de um grupo de jovens imprudentes, talvez, mas aos quais «não é possível se atribuir uma ação». Outra igualmente grave é a adoção de leis que introduzem delitos de associação cuja formulação é deixada intencionalmente na vaga e que permitem classificar como «com fins» ou «com vocação terrorista» atos políticos que não se teriam jamais considerado até aí como destinados a produzir terror.
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1. Em linhas gerais, o worelliano Arquivo Edvige permite ao Ministério do Interior da França arquivar toda informação sobre os cidadãos maiores de 13 anos a respeito de suas atividades políticas, filosóficas, sociais, etc. (Nota dos tradutores).
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Petição de apoio aos acusados do 11 de novembro
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Uma recente operação, largamente mediatizada, permitiu aprisionar e acusar nove pessoas pondo em prática a legislação antiterrorista. Esta operação já mudou de natureza: uma vez estabelecida a inconsistência da acusação de sabotagem das catenárias [Dispositivos de apoio aos fios condutores de uma via férrea - N.T.], o caso tomou um rumo claramente político. Para o Procurador da República, «o objetivo de sua empresa é bem o de atingir as instituições do Estado, e de chegar pela violência – eu digo pela violência e não pela contestação que é permitida – a perturbar a ordem política, econômica e social».
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O alvo desta operação é bem mais largo que o grupo de pessoas acusadas, contra as quais não existe nenhuma prova material, nem mesmo nada de preciso que possa acusá-las. A acusação por «associação de malfeitores com finalidade terrorista» é mais que vaga: o que é exatamente uma associação e como entender esse «com finalidade» senão como uma criminalização da intenção? Quanto à qualificação de terrorista, a definição em vigor é tão larga que se pode aplicá-la a qualquer um – e que possuir tal ou tal texto, ir à tal ou tal manifestação é o suficiente para cair no golpe desta legislação de exceção.
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As pessoas acusadas não foram escolhidas ao acaso, mas porque elas levam uma existência política. Eles e elas participaram de manifestações – ultimamente aquela de Vichy, onde se realizou a pouca honrosa conferência européia sobre a imigração. Eles refletem, lêem livros, vivem juntos num vilarejo longínquo. Falou-se de clandestinidade: eles abriram uma mercearia, todo mundo os conhece na região, onde um comitê de apoio organizou-se a partir da detenção deles. O que eles buscavam não é nem o anonimato, nem o refúgio, mas bem o contrário: uma outra relação que aquela, anônima, da metrópole. Finalmente, a ausência de provas ela mesma torna-se uma prova: a recusa dos acusados em se denunciarem uns aos outros durante a detenção provisória é apresentada como um novo indício de seu fundo terrorista.
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Na realidade, para nós este caso é um teste. Até que ponto iremos aceitar que o antiterrorismo permita a qualquer momento acusar qualquer um? Onde se situa o limite da liberdade de expressão? As leis de exceção adotadas sob pretexto de terrorismo e segurança são elas compatíveis em longo prazo com a democracia? Estamos prontos a ver a polícia e a justiça negociarem a guinada em direção a uma nova ordem? A resposta a estas questões está a nosso cargo, primeiramente exigindo o fim das perseguições e a liberação imediata daquelas e daqueles que foram acusadas por exemplo.
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Primeiros signatários: Giorgio Agamben, filósofo; Alain Badiou, filósofo; Jean-Christophe Bailly, escritor ; Anne-Sophie Barthez, professora de direito ; Miguel Benasayag, escritor; Daniel Bensaïd, filósofo; Luc Boltanski, sociólogo; Judith Butler, filósofa; Pascale Casanova, crítico literário; François Cusset, filósofo; Christine Delphy, socióloga; Isabelle Garo, filósofa; François Gèze, edições La Découverte; Jean-Marie Gleize, professor de Literatura ; Eric Hazan, edições La Fabrique; Rémy Hernu, professor de direito; Hugues Jallon, edições La Découverte ; Stathis Kouvelakis, filósofo ; Nicolas Klotz, realizador; Frédéric Lordon, economista; Jean-Luc Nancy, filósofo; Bernard Noël, poeta; Dominique Noguez, escritora; Yves Pagès, edições Verticales; Karine Parrot, professor de direito; Jacques Rancière, filósofo; Jean-Jacques Rosat, filósofo; Carlo Santulli, professor de direito ; Rémy Toulouse, edições Les Prairies ordinaires ; Enzo Traverso, historiador; Jérôme Vidal, edições Amsterdam; Slavoj Zizek, filósofo.
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Malfeitores de todos os países, associemo-nos!
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Libertação de Julien. Tudo continua.
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Comunicado de 27 de maio do Comitê de Apoio aos inculpados do 11 de novembro.
(Sobre a libertação de Julien Coupat).
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Conseguimos. Os jornalistas anunciam a liberação de Julien Coupat. Insistindo sobre a clemência do tribunal, que dela não irá se opor desta vez. Que declara que a detenção não se justifica mais. Ficção de um antiterrorismo razoável, justo, moderado.
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Nos artigos da imprensa logo se lembra que é aniversario de Julien. Como se se tratasse de um presente. Seria necessário, portanto, estar feliz, estourar um champagne, comemorar a vitória. É magnífico: mantém-se a todo custo contra alguém em detenção durante seis meses e porque, de repente, sem nenhuma explicação, se o libera, seria preciso estar contente, agradecer a justiça por ser tão justa e os juízes por serem tão clementes.
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Não, o sentimento predominante é sempre e ainda o de cólera. Pelo cárcere de Julien e de outros. Pelas apreensões em plena rua que se permitem ainda. Pelas detenções provisórias de 96 horas, tornadas sistemáticas. Pelo imbecil Jean-Marc, simples policial da SDAT. Portanto, não se trata de parar aí.
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Com o caso Tarnac, o poder tentou um golpe: utilizar de seus dispositivos de exceção, policiais e jurídicos, sem escrúpulos, ao mesmo tempo comunicando-o ao maior número de pessoas. O que se tentou foi a banalização dos dispositivos antiterroristas. No atual estado de coisas pode-se dizer que ele não conseguiu. Mas ele ainda não fracassou. O desafio, para além do que este caso encerre de uma vez por todas, é de "melar" por muito tempo as medidas antiterroristas.
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Outra coisa que foi revelada por este caso é a existência de formas de contestação difusas, de uma política radical que se move fora dos partidos e dos sindicatos, e sua tentativa de cooptação sob o termo "anarco-autônomo" ou "extrema-esquerda". O que está na ordem do dia, rapidamente, é a existência de uma juventude que deseja o fim desta sociedade. E isto tampouco se deterá. Com a liberação de Julien tudo continua. Os comitês de apoio devem anunciar novas iniciativas muito em breve.
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Um buquê de flores para Michèle Alliot-Marie (1)
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Comunicado de 28 de maio do Comitê de Apoio aos inculpados do 11 de novembro.
(Sobre a liberação de Julien Coupat).
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Não, não estamos aliviados. Não, a liberação de Julien não é uma "vitória". No melhor dos casos é uma afronta a esses cínicos que nos atacaram. Para nós, é apenas uma etapa. Em direção à impunidade, para todos e para tudo. Não enviaremos um buquê de flores ao Ministério Público. Sua violência vai continuar, contra nós, nossos amigos, contra outros. Os controles judiciais, as amizades proibidas, as vigilâncias, as detençoes provisorias de 96 horas. O que se manifesta nesse affaire é a determinação, a determinação patética de uma ordem senil disposta a tudo para aniquilar o que a ela resiste. Tudo está por começar para eles, como para todos nós. Portanto, continuamos. Nossa defesa é tão preventiva quanto ofensiva.
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Foi questão de deslocar o enfrentamento do plano judiciário ao plano político. Isso provocou alguns desentendimentos.

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Anunciamos, portanto a resistência, uma grande manifestação dia 21 de junho (dia da festa da música) às 15h no Halles em Paris. Convidamos todas as pessoas, todos os grupos, todos os trabalhadores, todos os manifestantes submetidos à violência brutal e judiciária da polícia e de seus políticos. Convocamos todas aquelas e aqueles que não suportam essa ordem do mundo, todas aquelas e aqueles que se organizam para sobreviver e a ele reagem. Convidamos todas aquelas e aqueles para quem é tempo, enfim, de se encontrar.
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Por Julien, todos os outros e contra tudo.
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Domingo, 21 de junho – 15h – Fontaine des innocents
– Paris.
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1. Atual ministra do Interior da França (cargo já ocupado por Sarkozy no governo Jacques Chirac). (Nota dos tradutores)



Muito barulho por nada

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O título acima é minha própria versão à expressão - pouco clara em português - "A montanha pariu um rato". E, contudo, este é o título do texto que reproduzo abaixo, tradução ao português de um texto escrito em francês por Charles Reeve. É outra crítica do Manifesto contra o trabalho, do grupo Krisis, crítica que se aproxima bastante daquela desenvolvida pelo coletivo contra-a-corrente e que pode ser vista no texto publicado pela Ilana no número 9 da revista (ver em http://www.inventati.org/contraacorrente/). Eu o retirei da excelente "Biblioteca comunista velha toupeira" (http://www.geocities.com/lipstickinrage/montanha_pariu_um_rato.htm).
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A Montanha pariu um rato
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Os escritos do grupo Krisis, reunido à volta de Robert Kurz , sociólogo e editor na Alemanha da revista com o mesmo nome, eram pouco conhecidos em França. Lacuna essa já colmatada pela publicação do Manifesto contra o trabalho.
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A crítica da moral do trabalho no pensamento de esquerda, dá o tom e frescura a um texto em que Krisis tenta caracterizar a situação actual do capitalismo. Trata-se para eles, desde o princípio, de desmontar as receitas reformista que pretendem corrigir os malefícios do capitalismo de casino: as nostalgias keynesianas, as reivindicações dum salário social, ou ainda a taxa Tobin-Attac. Para Kurz e seus amigos, a especulação é a consequência da crise de investimento e não ao invés. «É precisamente o critério da rentabilidade, assim como as suas bases, que são as da sociedade do trabalho, que é preciso atacar como obsoletas.» (p.74) Krisis demarca-se também dos projectos das diversas correntes socialistas que quiseram fazer das reivindicações quantitativas, das lutas económicas e sindicais, a alavanca da emancipação social. Este processo de integração é actualmente seguido pelo desmoronamento do mundo operário; terreno no qual «dobram os sinos pela esquerda clássica» (p. 86). É por isso que, nos projectos da sua refundação, «a nostalgia social-democrata e keynesiana substitui a ruptura com as categorias do trabalho» (p.87). Krisis sublinha a natureza estatista dos projectos de salário social e do rendimento garantido, confirmando assim outras críticas.
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Até aqui, nada de novo debaixo do sol! No que diz respeito à crítica do reformismo moderno, Krisis repete - com um gosto pronunciado pela auto-suficiência, aquilo que já foi escrito. Exemplo académico muito comum, se lermos a Krisis fica-se com a impressão de que a crítica ao capitalismo contemporâneo começou no dia em eles se puseram a pensar. Aparte certas referências ao «situacionismo» e às correntes do esquerdismo italiano e algumas fórmulas que lembram o Direito à preguiça do Paul Lafargue (nunca citado), varre-se tudo sem distinção, e deita-se tudo confundido, o pior e o melhor, nos caixotes do lixo da história.
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Sendo assim, ninguém se espantará de ver depois o movimento operário reduzido ao sindicalismo, simples elemento «acelerador da sociedade do trabalho». Facto significativo, procurar-se-á em vão, neste Manifesto, a mais mínima alusão às rupturas revolucionária do século XX ou uma só referência às correntes revolucionárias do marxismo e do anarquismo.
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Uma ideia central constitui o arcaboiço das análises de Krisis: o capitalismo é um sistema cujo propósito é «a sociedade do trabalho»; «A história da modernidade é a história da instauração do trabalho.» (p. 45) «O trabalho é um fim em si mesmo na medida em que serve de vector à valorização do capital dinheiro, ao aumento infinito do dinheiro pelo dinheiro. O trabalho é a forma de actividade deste fim em si absurdo…» (p. 33) Jamais este vector-trabalho é definido como relação social, histórica; nem é caracterizado especificamente como trabalho alienado, assalariado. Ora, é por o trabalhador ser desapossado da sua própria actividade que se lhe retira o controle da sua própria vida. É a actividade humana tornada mercadoria, que funda as separações. Na produção teórica de Krisis, a noção de lucro está ausente, o conceito de exploração conta pouco já que «a máquina capitalista não tem outra finalidade senão ela mesma» (p.18). A valorização burguesa do trabalho é posta no centro do funcionamento do sistema cujo fim seria então fazer trabalhar os indivíduos! Este discurso - que inverte a moral religiosa vendo no trabalho a vocação natural do homem - abunda em fórmulas moralizantes: «princípio cínico», «sistema delirante», «lei do sacrifício humano», «cruzada em nome do ídolo trabalho», ou ainda «mais vale ter um trabalho qualquer, seja ele qual for, que não ter trabalho nenhum, tornou-se a profissão de fé exigida a todos» (p. 14). Ora se o proletário se põe preocupadamente a procurar trabalho, não será porque não tem outra escolha, sendo a venda da sua força de trabalho o seu único meio de sobrevivência?
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O que é que, segundo Krisis, caracteriza a crise da «sociedade do trabalho»? Vejamos alguns elementos de resposta: «Com a terceira revolução industrial da micro-informática, a sociedade do trabalho atinge o seu limite histórico absoluto» (p. 60) Mais precisamente, «pela primeira vez, suprime-se trabalho que não pode ser reabsorvido pela extensão dos mercados» (p.62). Segue-se que, numa sociedade que «nunca foi como agora uma sociedade do trabalho [...], o trabalho tornou-se supérfluo [...] É no preciso momento em que o trabalho morre que ele se revela uma força totalitária» (p.14) Krisis parece esquecer que esta necessidade de aumentar constantemente a produtividade do trabalho, de substituir trabalho vivo por máquinas, é intrínseco ao processo de produção de capital. Em períodos de crise, nem toda a força de trabalho encontra colocação no mercado, e a aparência do trabalho como supérfluo não é senão a consequência disso. Tirar daqui uma interpretação de tipo «catastrófico» representa uma mistificação, é reatar com a aproximação milenarista, e apresentar as contradições actuais do capitalismo como inultrapassáveis. Ao longo de toda a sua história, o capitalismo pôde restabelecer, ao preço da barbárie, novas condições de produção de lucro, criar novos mercados, perpetuando-se deste modo. O capitalismo anda mal mas não vai afundar-se por si mesmo, sendo necessário para isso a intervenção de forças sociais decididas a inscrever nos factos um projecto emancipador. É aí que se encontra o único limite «absoluto» do sistema.
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A «ruptura com as categorias do trabalho», é associada pela Krisis a um «projecto de resolidarização». Este, deve concretizar-se em «novas formas de organizações sociais (associações livres, conselhos) (que) controlem as condições da reprodução à escala de toda a sociedade» (p. 95). Depois de ter assimilado proletariado-sujeito histórico, greve e integração sindical ao movimento operário reformista, Krisis tem por ambição de colocar as balizas «duma nova teoria da transformação social». Desta emerge a proposta duma auto-organização em torno duma «luta por um fundo de tempo social autónomo». Sobre este tema a leitura do Manifesto ganha se for complementada por outros textos do grupo. E é então que um espesso nevoeiro cai sobre a cidade!
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O sector dito da «economia social», (ONG e associações) é definido como «forma embrionária duma reprodução emancipadora e não mercantil»., que é preciso «radicalizar e unificar numa perspectiva de superação do sistema produtor de mercadorias». Um outro eixo de lutas lhe é associado: «a paralisia do sistema nervoso da reprodução capitalista», através de greves de camionistas e barragens de ecologistas contra o transporte de produtos radioactivos. Enfim. squats, creches autónomas, associações de consumidores, cooperativas, ocupações de terras nos países pobres, são susceptíveis de organizar uma «reprodução autónoma» e conter em germe a exigência duma produção não-capitalista. Os nichos alternativos no seio da sociedade e as zonas autónomas temporárias, recusadas em teoria no Manifesto, são repescadas na prática. Será toda a insubordinação subversiva? Como poderão estes embriões superar o sistema? Poderá haver superação sem ruptura? Eis tantas questões que Krisis não se coloca. Aqui, como noutros lugares, o abandono das categorias de classe faz-se em proveito duma espécie de «frente alternativa», próxima do activismo cidadanista.
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Espírito corporativo oblige, Krisis não esquece que «é preciso criar um novo espaço intelectual livre onde se possa pensar o impensável. [...] Somente uma crítica do trabalho, claramente formulada e acompanhada do debate teórico necessário pode criar um novo espaço público alternativo, condição indispensável para a constituição dum movimento social prático contra o trabalho» (p. 92). Eis-nos de regresso ao velho esquema sobre o papel dos intelectuais na elaboração da consciência. Se «pensar o impensável» é isto, as respostas de Krisis são tão decepcionantes e pretensiosas como os projectos neo-reformistas que eles criticam. As invectivas de «biscateiros reformistas» e «teóricos analfabetos», que os autores da Krisis dirigem aos defensores do salário social arriscam-se a voltar-se contra eles mesmos. A apresentação elogiosa dos editores franceses - classificando o Manifesto em terceiro lugar na hit parade da radicalidade, depois do Manifesto do partido comunista e da Miséria no meio estudantil - é pouco certeira. A montanha pariu um rato.
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Charles Reeve

Em Oaxaca, a mentira como método do estado... novamente!

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Abaixo, um texto publicado no mais recente - é sempre duvidoso dizer isso: "o mais recente"... - blog de insurgência anticapitalista, sobre a luta dos/as companheiros/as de Oaxaca, ao sul do Estado do México. O espetacular integrado, já nos dizia Debord há 2o anos, é a perfeita fusão da mentira e do engano com a violência totalitária do Estado: sua essência é o "segredo'/"secreto". Como sempre, trata-se ainda uma vez de utilizar a repressão organizada pelo Estado como desculpa para legitimar e ampliar essa mesma repressão! O nome do blog-irmão é Inimig@s da economia política (http://www.inimigasdaeconomiapolitica.blogspot.com/). Visitem-no!
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Mais uma vez o estado mexicano, coadunado com as redes de comunicação e os partidos políticos, utiliza-se da mentira para prosseguir na indigesta guerra que declarou contra trabalhadores, mulheres, estudantes e indígenas que buscam sobreviver sob o seu território. No dia 16 de outubro de 2008, na cidade de Oaxaca, palco de uma das maiores insurreições populares dos últimos tempos, Juan Manuel Martínez foi preso acusado de ter assassinado Brad Will, novaiorquino que em 2006 cobria os acontecimentos da comuna de Oaxaca pelo Centro de Mídia Independente de Nova York.Brad Will registrou sua própria morte em cenas de vídeo em momento de combate de rua onde vários agentes paramilitares abriam fogo contra a população. Apesar disso, hoje recai sobre um simpatizante da APPO (Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca) - a coordenação geral dos diversos movimentos sociais de Oaxaca, constituída durante as lutas de 2006 - a responsabilidade pela morte de Brad.Apesar de se constituir em mentira absurda, entende-se porque o estado mexicano emerge agora com mais essa atitude ofensiva contra os (as) lutadores (as) sociais de Oaxaca. O início do ano em Oaxaca acompanha a ascensão das reivindicações populares, sobretudo dos (as) professores (as) que, em 2006, foram os principais desencadeadores da luta contra Ulisses Ruiz Ortiz, luta que se configurou em sublevação geral do povo, quando se formaram centenas de barricadas e foram tomaram rádios e emissoras de TV como forma de reforço do poder popular e de pressão pela destituição dos poderes.Hoje, quando os ânimos encontram-se mais calmos, ainda existem motivos de preocupação por parte do governo de Ulissez Ruiz que insiste em se manter no poder. As (os) professoras (es) oaxaquenhos, além de fazerem reivindicações elementares como maiores verbas para as paupérrimas escolas, merenda escolar digna e sapatos para que as crianças não assistam às aulas descalças, lutam pela liberação de várias escolas controladas pelas forças priistas (tomadas quando da repressão que se abateu sobre Oaxaca na passagem de 2007), pela punição dos culpados pela morte de ao menos 26 pessoas (muitos desaparecidos), pela liberdade dos presos políticos e (reivincicação suprema) a saída de Ulissez Ruiz do poder.No último dia 17 de janeiro, 71 mil professoras (es) foram às ruas e, em diversos pontos do estado, ergueram-se bloqueios. Num conjunto habitacional da capital oaxaquenha, moradores e professores por volta das 13 horas recuperaram uma escola, coisa que aconteceu também em outros pontos de Oaxaca naquele dia. Desta feita, a guerra de classe prossegue em Oaxaca. O estado mexicano, sem outra arma além da repressão, do terror, usa a mentira, por sinal método de combate de qualquer estado...
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A Nakba: A limpeza étnica e o nascimento de Israel

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Os palestinianos chamam ao que lhes aconteceu em 1948 a Nakba – a palavra árabe para catástrofe. Foi perpetrada por líderes sionistas que tencionavam formar o Estado de Israel em terras palestinianas sem os palestinianos.

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Durante a Nakba, quase um milhão de palestinianos (metade da população nessa altura) foram brutalmente afastados das suas terras, aldeias e casas, fugindo apenas com os bens que conseguiram levar. Muitos foram violados, torturados e mortos. Para garantirem que não haveria nenhuma razão para os palestinianos regressarem, as suas aldeias e mesmo muitas oliveiras e laranjeiras foram tão eficientemente arrasadas que sobram poucos restos visíveis. Quando a Nakba terminou, tinha havido 31 massacres documentados e provavelmente outros. Cerca de 531 aldeias e 11 bairros urbanos foram esvaziados dos seus habitantes.
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O livro A Limpeza Étnica da Palestina (One World Publisher, Oxford, 2006) do historiador e conferencista decano israelita Ilan Pappe da Universidade de Haifa analisa o período da Nakba. A premissa é de que a Nakba não foi mais que um acto de limpeza étnica, normalmente considerado pelo direito internacional um crime contra a humanidade. Em apoio desta teoria, o autor esboça várias definições de diferentes fontes actuais, entre as quais “uma zona etnicamente mista transformada num espaço étnico puro”. Ele mostra como o massacre e/ou expulsão forçada dos arménios na Turquia, dos tutsis no Ruanda e dos croatas e bósnios na antiga Jugoslávia é afim ao que os sionistas fizeram aos palestinianos numa escala massiva em 1948 e ainda o estão a fazer hoje. Pappe também delineia uma ligação entre limpeza étnica e colonialismo, tal como aconteceu na América do Norte e do Sul, bem como em África e na Austrália.

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Judeus ingleses: "...nos lembramos do cerco ao Gueto de Varsóvia"

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Nós, os abaixo-assinados, somos todos de origem judaica. Quando vemos os corpos mortos e ensaguentados de pequenas crianças, o corte de água, eletricidade e comida, nos lembramos do cerco ao Gueto de Varsóvia. Quando Dov Wisglass, um assessor do primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, falou em colocar os moradores de Gaza "numa dieta" e o vice-ministro de Defesa, Matan Vilnai, falou sobre os palestinos experimentarem um "shoah maior" (holocausto), nos lembramos do governador-geral Hans Frank, da Polônia ocupada pelos nazistas, quando ele falou de "morte pela fome".
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A verdadeira razão para o ataque em Gaza é que Israel só quer lidar com palestinos fracos. O maior crime do Hamas não é o terrorismo, mas sua negativa de se tornar um peão na mão do regime de ocupação de Israel na Palestina. A decisão no mês passado da União Européia de dar um upgrade nas relações com Israel sem qualquer exigência quanto aos direitos humanos encorajou a agressão israelense. O tempo de não confrontar Israel acabou. Como primeiro passo, a Grã Bretanha deveria retirar seu embaixador de Israel e, como fez no caso do apartheid na África do Sul, iniciar um programa de boicote, desinvestimento e sanções.
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Ben Birnberg, Prof Haim Bresheeth, Deborah Fink, Bella Freud, Tony Greenstein, Abe Hayeem, Prof Adah Kay, Yehudit Keshet, Dr Les Levidow, Prof Yosefa Loshitzky, Prof Moshe Machover, Miriam Margolyes, Prof Jonathan Rosenhead, Seymour Alexander, Ben Birnberg, Martin Birnstingl, Prof. Haim Bresheeth, Ruth Clark, Judith Cravitz, Mike Cushman, Angela Dale, Merav Devere, Greg Dropkin, Angela Eden, Sarah Ferner, Alf Filer, Mark Findlay, Sylvia Finzi, Bella Freud, Tessa van Gelderen, Claire Glasman, Ruth Hall, Adrian Hart, Alain Hertzmann, Abe Hayeem, Rosamene Hayeem, Anna Hellmann, Selma James, Riva Joffe, Yael Kahn, Michael Kalmanovitz, Ros Kane, Prof. Adah Kay, Yehudit Keshet, Mark Krantz, Bernice Laschinger, Pam Laurance, Dr Les Levidow, Prof. Yosefa Loshitzky, Prof. Moshe Machover, Beryl Maizels, Miriam Margolyes, Helen Marks, Martine Miel, Diana Neslen, O Neumann, Susan Pashkoff, Hon. Juliet Peston, Renate Prince, Roland Rance, Sheila Robin, Ossi Ron, Manfred Ropschitz, John Rose, Prof. Jonathan Rosenhead, Leon Rosselson, Michael Sackin, Ian Saville, Amanda Sebestyen, Sam Semoff, Prof. Ludi Simpson, Viv Stein, Inbar Tamari, Ruth Tenne, Norman Traub, Eve Turner, Tirza Waisel, Karl Walinets, Renee Walinets, Stanley Walinets, Philip Ward, Naomi Wimborne-Idrissi, Ruth Williams, Jay Woolrich, Ben Young, Myk Zeitlin, Androulla Zucker, John Zucker.
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Fontes:http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/01/437874.shtml
http://www.guardian.co.uk/world/2009/jan/10/letters-gaza-uk

Manif em Fortaleza contra o massacre nazi-sionista em Gaza

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Na quarta, dia 14/01, fizemos uma manifestação de anticapitalistas contra o massacre de Gaza na Praça do Feirreira, no centro da cidade. Expusemos um painel com fotos das vítimas, das destruições de casas e conjuntos residenciais, abrimos uma faixa contra o genocídio e franqueamos uma tribuna livre para os diversos manifestantes se expressarem. Depois saímos numa passeata até a Praça do BNB, onde queimamos a bandeira do Estado de Israel. No percursos as palavras de ordem eram: "Israel é assassino, viva o povo palestino!"; "Todo Estado é assassino, viva o povo palestino!"; "Palestina? Livre!". Nos dicursos, os diversos oradores nos posicionamos contra o anti-semitismo e toda outra forma de racismo, deixando claro que nosso apoio ao povo palestino não é a favor do Hamas, mas contra o Estado de Israel, da mesma forma que estamos contra as mulheres contra o machismo, a misoginia e o patriarcado; com os homossexuais contra a homofobia; com os negros, contra o racismo; com os proletários que somos todos contra qualquer forma de opressão e exploração do homem pelo homem. Porque queremos uma sociedade sem classes, sem Estado e sem mercado, estamos ao lado dos palestinos e dos povos do mundo inteiro - inclusive inúmeros judeus - contra o genocídio e a limpeza étnica em Gaza. Abaixo, mais algumas fotos.

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O massacre de Gaza e as imbecilidades de Robert Kurz

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Quando dezenas e, depois, centenas de milhares de jovens, mulheres, proletári@s foram às ruas de todo o mundo – Seattle, Washington, Gênova – em manifestações gigantescas contra a OMC, o FMI e as corporações monopolistas internacionais, o bem divulgado sociólogo Robert Kurz acusou o movimento de guiar-se pela lógica da mercadoria. Quando @s proletári@s argentin@s puseram, entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002, o Estado argentino em crise, desencadeando a mais ampla e radical experiência de contestação social na América Latina, o teórico crítico a soldo da Folha de São Paulo limitou-se a dizer que, na crise econômica argentina, se comprovavam suas profecias expostas no best-seller O colapso da modernização. Não havia mulheres e homens reais em luta, mas apenas categorias em crise. Agora, quando @s palestin@s de Gaza são vítimas indefesas (pois não armadas) do genocídio e da limpeza étnica promovidos pelo Estado de Israel, Herr Kurz faz a crítica dos que se opõem a essa matança em massa. Como bom ideólogo, ele busca também aí expor a crítica e a correção das categorias. Tudo isso pode ser lido - claro! - na Folha de São Paulo de hoje, 13 de janeiro de 2009.
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Antes de tudo, o teórico crítico dos Frias caracteriza o genocídio israelense de “guerra em Gaza”, como se houvesse mesmo uma guerra entre duas forças militares minimamente simétricas e como se fosse entre duas forças militares que estivesse se dando o 'conflito' (sic). Depois fala de uma fantasmagórica “precariedade da situação militar” de Israel, e critica a “opinião pública global” porque esta caracteriza o “contra-ataque israelense” como “desproporcional”. Vejam: "contra-ataque". Exatamente como o faz o Estado maior israelense e a grande parte dos media, Herr Kurz identifica o Hamas com os palestinos e, sem dizer uma palavra sobre o massacre e a limpeza étnica de - até agora - mais de mil pessoas, deplora que “os palestinos em Gaza [sejam] percebidos como vítimas juntamente com o Hamas, como se esse regime não se tivesse imposto em uma sangrenta guerra civil contra o grupo laico Fatah”.
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Conseqüência lógica desse engano da opinião pública: “Assim a propaganda islâmica do massacre da população civil cai em terra fértil”. Vejam! O “massacre da população civil” não é real, mas apenas uma “propaganda islâmica”, que encontra “terreno fértil” nesse engano da “opinião pública global”. A efetiva e poderosa propaganda corporativa pró-israelense que há décadas caracteriza toda e qualquer resistência palestina de "terrorista" não existe, mas existe uma “propaganda islâmica”...
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Não contente, Herr Kurz faz suas as teses do Estado de Israel e de toda a media: “Com efeito, o Hamas transforma, exatamente como o Hizbollah libanês em 2006, a população em refém, ao transformar mesquitas em depósitos de armamentos e permitir que seus quadros armados atirem de escolas ou hospitais”. Os corpos retalhados, os membros estilhaçados, as cabeças decepadas de centenas de civis em escolas e hospitais são "quadros armados" do Hamas... É também nessa mesma lógica que o direitista Bernard-Henri Lévy publicou um artigo no New York Times, defendendo que o massacre em Gaza visa a “libertar os palestinos do Hamas”...
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Mas Herr Kurz não é tão liberal assim. Prefere se juntar à direita israelense – bem moderninha e emancipatória – que justifica a agressão israelense como “autodefesa”, dando a esse raciocínio cínico ares de anticapitalismo: “Por isso o pragmatismo capitalista se volta, conforme se pode observar até na imprensa burguesa de orientação liberal, cada vez mais contra a autodefesa israelense”. Vejam, Herr Kurz – que escreve essas coisas especialmente para a Folha de São Paulo – lamenta que “até a imprensa liberal” seja forçada a reconhecer que os crimes de Israel são crimes; ele, porém, considera-os uma “autodefesa”.
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Referindo-se à Segunda Guerra, Theodor Adorno dizia ironicamente ter visto o “espírito do mundo” (Weltgeist) hegeliano montado num míssel. Em 1992, foi a vez de nós mesmos vermos a “teoria da ação comunicativa” de Habermas pegando carona nos mísseis da Otan, na defesa da integridade do território do Kwait contra o Estado do Iraque que o invadira. Agora, é a vez dessa tão alemã – no sentido mais mesquinho e estreito do termo - “Nova Escola da Crítica do Valor”, dessa tal “Escola de Nuremberg” pegar sua caronazinha, com mais modéstia e menos universalismo, nos mísseis de “contra-ataque” e “autodefesa” do Estado de Israel na "guerra de Gaza". Como todos os liberais de direita – que ele não critica pois não são tão liberais assim – Herr Kurz conclui: “o aniquilamento do Hamas e do Hizbollah é condição elementar não apenas de uma paz capitalista precária na Palestina, mas também de uma melhoria das condições sociais”. Se é assim, então dessas mortes todas – como nos aconselharia uma boa filosofia progressista da história – devemos esperar algo melhor do que havia antes, não é? Então, viva os mísseis de Israel!
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Nós, como dezenas de milhares de alemães que foram às ruas nas últimas semanas, não compartilhamos a culpa cristã pelos pogrons e pelos campos de concentração nazistas, nem a culpa de maoístas arrependidos pelos horrores da Grande Revolução Cultural chinesa. Por isso, não precisamos ter qualquer simpatia – e, de fato, estamos longe de a ter – com o Hamas para nos opormos ao massacre no Gueto de Gaza. Não é mais diante de Auschwitz, mas diante de Gaza que a cultura ocidental tem que prestar contas. Quanto a Robert Kurz e sua turma, só temos a contatar que o 13 de janeiro de 2009 é o seu 4 de agosto. Para todo e qualquer bom internacionalista alemão, dizer essa data é o suficiente.
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