Dura ars, sed ars...

Nota a ser divulgada, reproduzida e enviada a amigos e conhecidos, por vias eletrônica e material. Rápido! Não deixemos que a prisão de Carol se prolongue ainda mais! Clique aqui, para acessar a divulgação do manifesto em francês.


A ação de 40 jovens pichadores, no último 26 de outubro, na 28ª Bienal de São Paulo, ação que resultou na prisão de Caroline Pivetta da Mota, deve receber a mais irrestrita solidariedade de todos aqueles que são, tão-simplesmente, amigos da liberdade. Neste plano, tudo pode ser resumido nisso: trata-se da liberdade de intervenção artística, que marca há quase um século a arte moderna e de vanguarda. Daí que podemos dizer sem medo: aqueles que hoje aprisionam e processam Caroline e perseguem seus companheiros do Grupo Susto’s são inimigos da arte moderna e da liberdade artística. Os organizadores da Bienal, a Polícia e o Ministério público de São Paulo são esses inimigos e devem ser denunciados por todo canto como um só “bloco histórico” da reação anti-artística do velho stableshment cultural.

Mas algo mais fundamental se manifesta aí: a contestação à sociedade burguesa que atravessa e ultrapassa a expressão artística. Já há duas décadas a juventude proletária, individualmente ou organizada em pequenos grupos temporários, atacam o urbanismo, a destruição da cidade moderna pelo desenvolvimento capitalista, que a transforma em território da solidão, da anticomunicação generalizada, do vazio e do medo. Prédios enormes e frios, que nada mais expressam que a privatização da vida (a vida privada da própria vida), a separação dos indivíduos e o poder totalitário da mercadoria e do Estado, bem como praças que-já-não-são-mais-praças e monumentos da história oficial, têm sido objetos constantes de intervenção das pichações. Essas ações “buscam ‘melar’ a urbanização modernizadora do capitalismo e romper com o anonimato e a desindividuação próprios da ‘massificação’” (revista contra-a-corrente, nº 9, set./dez. 1999).

O sistema tem buscado assimilar e recuperar essas formas de contestação, principalmente com a sua transformação em formas nobres de “arte”. Bancos, instituições judiciárias de recuperação social de jovens, Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, Projetos Sociais dos mais diversos governos e Galerias de Arte financiam o uso moderado de pinturas de murais por pichações “artísticas”. A pichação se torna aí uma técnica “neutra”, em campanhas de cidadania e integração cultural e moral repressiva e policial de jovens proletários às instituições do sistema. A conseqüência inevitável desse recuperador processo de “segurança social” é já o surgimento de Galerias de Arte, que trazem para o espaço colonizado dos ambientes “artísticos” comerciais a chamada “arte de rua”. É justamente este o caso da Galeria “Choque Cultural”, em Pinheiros, São Paulo, também atacada por pichadores em setembro deste ano.

O que torna insuportáveis as ações de Carol e de seus companheiros é justamente a recusa a essa integração, recusa particular que expressa – num intolerável mau exemplo – a recusa de milhares de outros jovens nos bairros proletários, que nas periferias brasileiras, não menos do que nas quentes banlieues francesas, dizem conscientemente não! à docilidade policial das instituições que buscam integrá-los à obediência. Insuportáveis ainda mais porque tais ações levam a recusa aos territórios aos quais a própria política recuperadora do sistema sentiu-se bem à vontade para, sob a forma morta de “arte”, levar a negação proletária: as Galerias e Bienais. O escândalo se torna aí mais terrível, pois desautoriza publicamente ex museum, no próprio terreno em que se ensaia a recuperação, a ousadia do aparato cultural do sistema em apropriar-se seja das formas estéticas de contestação, seja da arte moderna, cujo desenvolvimento, há quase cem anos, é inseparável da contestação desse mesmo aparato.

O aparato cultural do sistema não continua a arte moderna, mas a amordaça, recuperando-a. Já Carol e seus amigos, que não reivindicam fazer arte, mas contestá-la, justamente desse modo são herdeiros da grande arte moderna e de vanguarda do século 20... herdeiros legítimos, e precisamente porque se recusam a apropriar-se dela.

Liberdade para Carol!

Fim das Bienais e Galerias!

Pela liquidação do aparato cultural do sistema!
Amig@s da próxima insurreição