A mercadoria é racista, a mercadoria é a morte



No ano passado, um casal de negros de classe média, professores universitários em Fortaleza, foram comprar um computador no Extra Montese. A vendedora, desconfiada de que o cartão de crédito que os negros portavam não fosse deles, chamou de imediato a polícia, enquanto os compradores aguardavam a suposta consulta telefônica à empresa concedente do cartão. Agora, conforme notícia abaixo, que circula na internet através de e-mails de amigos, um jovem proletário negro foi assassinado em São Paulo, numa das Casas Bahia, quando, ao lado da esposa, tinha ido pagar uma prestação do colchão. Negro, mal vestido (estava de macacão de trabalho), o camarada era por tudo e tudo suspeito. O que essas duas histórias nos demonstram muito bem é que a inclusão dos negros na esfera universal dos direitos, a começar pelo mais sagrado direito da sociedade capitalista, que é o direito à propriedade e, portanto, a comprar e vender, é sempre uma inclusão subalterna. A mercadoria não emancipa, apenas repõe a subalternidade. A idéia de que a inclusão no mercado de trabalho, na escola e na Universidade, no mercado consumidor, constitua a "igualdade" é uma ilusão. Que o espetáculo tenha necessidade de vedetes de cor negra é apenas para que a quase totalidade de negras e negros continuem submetidas/os ao racismo, que surge na história pela primeira vez com o capitalismo (tendo sido mesmo uma das condições históricas de sua acumulação primitiva, como bem o descreveu Marx). A nota abaixo é da Casa do Zezinho, uma ONG da periferia de São Paulo, que trabalha com crianças proletárias e na qual o jovem recém assassinado morou durante alguns anos.


Nota de repúdio e indignação


A Casa do Zezinho está de luto. A ONG Casa do Zezinho mostra seu profundo repúdio e indignação. Um dos seus filhos queridos, o jovem Alberto Milfont Jr. (23), foi barbaramente assassinado dentro das Casas Bahia na Estrada de Itapecerica por um segurança terceirizado, que trabalha nessa instituição, na segunda feira por volta das 16 horas. O segurança, em sua defesa, alega que agiu assim porque simplesmente o jovem estava mal vestido.


O jovem Alberto, mal vestido, morre com a nota fiscal, com comprovante de compra nas mãos. Enquanto aguardava dentro da loja, "roupa de trabalhador", sua esposa Darilene (22) voltava do caixa aonde fora pagar a prestação da compra de um colchão. Foi abordado pelo assassino, terno preto. Depois de um bate boca ligeiro o segurança saca da arma e atira à queima roupa. O jovem tomba sem vida.


Suas últimas palavras: "Sou cliente, não sou ladrão!". A partir daí se calou. Calou da mesma forma como estamos calados, sufocados há 400 anos. Que grande equívoco este país!


Mal vestido, roupa de trabalho, é um sinal verde para o braço armado da sociedade, o assassino pago para atirar. Alberto deixa esposa e um filho de 5 meses. Alberto deixa morta a remota esperança de milhares de jovens brasileiros. Estudar pra quê? Trabalhar pra quê? Ser honesto pra quê? Brasileiros alfabetizados, respondam honestamente essa pergunta!


O menino brincalhão, comprido e de pernas finas entrou para a Casa do Zezinho aos 10 anos. Sua turma do Parque Santo Antônio já estava todinha ali. "Vai ser muito legal, ali vamos nos divertir para valer". O jovem deixa excelentes recordações em toda nossa comunidade, onde permaneceu como um membro muito querido até 2003. Estava de casamento marcado com a jovem Darilene, com quem tinha um filho de apenas 5 meses. Suspeita e pobreza sempre juntas na nossa história. Nenhum (a) jovem "mal vestido" (leia-se moreno, pardo) da periferia ousa sequer pisar num shopping de grife da cidade sem levantar as mais alarmantes suspeitas. Nenhuma placa, nenhum sinal explcita essa indesejabilidade, como faziam com os negros os norte-americanos. Diferentemente dos americanos, aqui o jovem da periferia já traz gravada na carne, na alma, essa interjeição.


Nenhuma revolta, nenhuma vingança organizada. Nada que a sociedade deva se preocupar. Apenas o destempero de um segurança idiotizado, uma peça para reposição. No Cemitério São Luiz o murmúrio surdo da mãe e da jovem esposa.


Dentes cravados, os jovens cabisbaixos que acompanham o enterro trazem o sangue nos olhos. - "O mano Alberto subiu!". Com muita raiva seguimos com eles, solidários, para tentar preservar essa auto estimatão covardemente destruída desde o seu nascimento nas favelas.


A vitória da morte exercida com eficiência certeira desde sempre no país pelo braço armado contratado pela sociedade dominante e pelos seus comparsas que dominam toda a estrutura de poder do estado.


Pras Casas Bahia deixamos como lembrança o carnê saldado com a honra e a dignidade de um jovem trabalhador. Adeus mano Alberto!