Arte e sociedade burguesa em Hegel

Abaixo, publico os dois primeiros parágrafos do meu Prefácio ao livro do amigo Antonio Vieira, resultado de sua brilhante dissertação de mestrado em filosofia na USP. O tema é a relação problemática da arte com a sociedade burguesa moderna, tal como ela se encontra tematizada pelo filósofo alemão. O título do livro é Poesia e prosa: arte e filosofia na Estética de Hegel (Campinas, SP: Editora Pontes/Fapesp, 2008, 190 p. R$ 30,00).

Antonio Vieira nos oferece nas duas centenas de páginas que nos esperam uma rigorosa e, sob certo ponto de vista, retificadora apresentação das reflexões estéticas de Hegel. Seu objeto é a experiência moderna da arte, pela qual esta, justamente ao ser reconhecida, no interior do idealismo alemão, como atividade autônoma frente a outras atividades humanas, é, contudo, pensada por Hegel como forma inferior, e de resto inadequada para o nosso tempo, de expressão do absoluto. Se quisermos, trata-se da velha e propalada questão hegeliana da ‘morte’ da arte. Mas, dito assim, teríamos apenas uma expressão coagulada, o que, numa filosofia rica em mediações como a de Hegel, não tem a menor força; e o texto de Vieira, apesar de claro, límpido, não foge dessas mediações, mas, ao contrário, nos propõe tantas outras, justamente porque não nos quer levados a achar que haja, na reflexão hegeliana sobre o estatuto moderno da arte, ausência de mediações. A exposição que este livro nos propõe, em verdade, alarga – com relação às expressamente presentes na Estética – as mediações que são levadas em conta nas considerações sobre a concepção hegeliana da arte, e isto porque ele faz seu o ponto de partida do próprio Hegel, ponto de partida este que, segundo a economia interna do sistema, não sendo o objeto da ciência filosófica da Estética, encontra-se mais apropriadamente apresentado e mais bem desenvolvido em outras ciências filosóficas do sistema, tais como naquelas expostas pelos Princípios da filosofia do direito, pelas Lições de história da filosofia, ou ainda, pela terceira parte da Enciclopédia das ciências filosóficas, que trata da filosofia do espírito.

Que, sob a perspectiva da história das idéias, o ponto de partida de Hegel seja, não o romantismo, como propõe a tese tantas vezes retomadas no último século, mas sim a Ilustração alemã, fortemente influenciada pela recepção por Lessing do pensamento de Spinoza e cujo termo mais desenvolvido encontra-se justamente no esforço interno tanto ao classicismo de Schiller e Goethe quanto ao próprio idealismo alemão pela superação da filosofia transcendental, tal como esta se encontra articulada em Kant, não basta para explicar – senão que apenas aumenta o que deve ser explicado – o desenvolvimento do pensamento de Hegel, notadamente se levarmos em conta a reivindicação deste filósofo de que a filosofia, tarefa que a sua filosofia teria tratado de realizar, deve expressar a autoconsciência do tempo presente, sendo que, para o nosso presente, ao fazê-lo, a filosofia oferece a reconciliação deste tempo consigo mesmo. A suspeita de que neste projeto filosófico está o elemento fundamental para a compreensão da totalidade do pensamento hegeliano é o que move o autor deste livro.